Crônica do dia

Completamente Nua

31/10/05

Chegou sem aviso e, ao falar, cativou e envolveu em fascinação e deslumbramento. Só depois notei que estava completamente nua sem mostrar constrangimento, preocupação ou incômodo por isto. A mim, contudo, sua nudez incomodava, parecia inapropriada. Olhei de raspão e, diante de seu belo corpo, belíssimo, apesar da perspectiva deformada pelo ponto de vista oblíquo, estremeci. O contraluz clareava pêlos e acrescia textura e arrepios à pele quase morena.

Mas estava nua, eu disse, e a ela balbuciei desconcertado e vencido, "mas assim... e ele?", embora não soubesse que ele pudesse ser, do olhar de quem sua nudez dever-se-ia cobrir. Ela talvez o soubesse. Sorriu e continuou a cuidar de uma coisa e de outra alheia, absolutamente alheia, ao que a mim perecia eixo do universo, âmago do mistério e razão de ser, ou não - o que quer que fosse, face a corpo tão belo, belíssimo e nu. Sorriu e no sorriso se desfez. Sem aviso, como chegara.

Atônito, contemplei a sombra em mim de sua nudez imaculada, transparente como a de uma flor - lírio, rosa, menor e mais insignificante florzinha de mato, cada uma com sua nudez pura, com pistilos e estames a derramar farto pólen a ventos e insetos em monumental e pública volúpia de novas vidas, que cultivamos e ceifamos para decorar lares e altares ou regalar regaços de rainhas e princesas de reinos e escolas de samba ou conquistar eleitas ou suspeitas ou sepultar em flores de todas as cores, de todas as primaveras - redimi-me com vossa nudez!

flor de mato (minúscula)
flor de mato (minúscula)

Desfeita, refez-se presente para sempre. Agora, é impossível negá-la. Vislumbro-a verdadeira, cativante, envolvente, fascinante, deslumbrantemente nua, completamente nua e bela, belíssima! - como a verdade, como fato. Sem teorias ou explicações. Capaz apenas de florescer e morrer para frutificar em promessas de vidas e deslumbramentos.

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