|
Confusão01/09/06Passavam duas moças em animada conversação, audível de longe, ainda indecifrável assim. Iam para a escola, com suas mochilas às costas, bem baixas como usam as moças. Por certo já notou o leitor arguto, a leitora perspicaz que os homens, em geral, usam a mochila da cintura para cima e as moças, pelo menos as do lado de cá do fim do mundo, quase sempre dela para baixo. Devem ter, ambos, suas razões. Dizia que passavam duas moças e nem cheguei a mencionar a beleza de uma. Talvez ambas fossem bonitas, mas uma delas se me afigurou esplendorosa, de tal sorte que nada posso dizer da outra, que mal percebi. É inútil lutar contra aquilo que a natureza aprimorou durante muitos milênios. O ser humano é extremamente visual. Se tiver qualquer dúvida a respeito, pergunte à indústria da beleza, observe a fatia de vida que a ela dedica cada mulher. Aqui, neste caso, em especial, há mais. A linda, muito jovem, tinha perfil esguio, dir-se-ia, mesmo, magra. Cabelos lisos, longos e belíssimos a lhe escorrer até o meio das costas. Seu rosto era delicado com um nariz afilado, um pouco pronunciado. Parecia solta, desenvolta, como se dominasse a si e a tudo em redor. Vestia botas de cano alto, ajustada às canelas finas, de couro cru claro. Usava calças jeans, muito claras também. E paro por aqui. Paro por já não saber mais a quem descrevo: se a uma das duas moças que passavam ou a outra, parecida, moça, mas há meio século e hoje, apenas sonho, não mais que lembrança, eventual devaneio de um ancião maluco e meio eremita por opção. Sonhos não têm idade, não carecem de cirurgião e, mais rápido que um sonho elas sumiram, as duas, com a conversa alegre para quem quisesse ouvir, na contraluz de um sol incerto de meio-dia. |
|home| |índice das crônicas| |mail| |anterior| |