19/05/06
A violência está em nós mas, quase sempre, só a enxerguamos quando explode em manifestações exteriores a nós e, muitas vezes, coletivas. Nessas ocasiões exclamamos 'quanta violência!' e continuamos a achar que os outros são violentos, nós não. Até o momento em que qualquer motivo fútil traz à tona a violência adormecida em nós e, ainda nestes casos, nem sempre nos percebemos como violentos, nem sempre vemos com clareza a nossa própria violência. O fato de não matar, não estuprar, de controlar o impulso agressivo não significa que somos pacíficos, que vivemos sem violência. Se nos observarmos com atenção, a cada instante, o tempo todo - o que é dificílimo - ficará patente quanta violência dorme em nós. Nas pequenas coisas, nas agressões banais, no xingamento que nos sobe à garganta e serramos os lábios para calar, no gesto que principiamos e transformamos em tique, no olhar que censura e fulmina e em um milhão de outras manifestações do animal que continua a rosnar em nós. A violência está em nós e nós somos a sociedade. Embora seja muito confortável tratar a sociedade como um corpo separado, como cirurgião e paciente, do qual poderíamos falar de fora, sem risco de contaminação, em verdade, o corpo da sociedade somos nós. Não que nós a fizemos mas, sim, que nós a fazemos. Organismo doente, a sociedade manifesta violência conforme condições locais e circunstâncias de momento. Como ditadura, que monopoliza a manifestações ou como corte, que finge ignorar que seu luxo e pompa vêm miséria de muitos. Perseguimos traficantes de armas, mas as fabricamos. Caçamos vendedores de drogas, mas as consumimos. Falamos em paz, mas fazemos a guerra. Prendemos ladrões e usamos mil subterfúgios para disfarçar nossos roubos. Execramos o estuprador e violentamos nossas mulheres e filhas. Cada um sabe de sua violência ou, talvez, nem saiba. |
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