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Cordilheiras Paulistanas21/01/03Ah, as grandes montanhas de São Paulo, capital! Quais? Se você nunca reparou nelas, em seu vulto imponente, suas silhuetas ora a lembrar gigantes adormecidos em mais que esplêndidos leitos, ora lânguidas odaliscas esparramadas entre divãs e coxins, se você mora em São Paulo, capital, e jamais viu tais paisagens preste atenção: a época é essa, o tempo é agora. O tempo das grandes chuvas de verão, quando esses portentos meteóricos, além de eventuais danos, são capazes de criar toda uma cordilheira no vasto horizonte e a desfazer dez minutos depois ou esculpir os mais imponentes picos bem ali, para logo os reerguer alguns quilômetros à direita, ou à esquerda e depois, além. São fenômeno que me delicia e se não se pode dizer que seja comum, tampouco é raro. As grandes tempestades, as poderosas e altíssimas nuvens das tormentas de verão - imagino amigas e amigos que dizem detestar a estação a emprestar outros sentidos a "tormentas de verão" - pois tais nuvens altíssimas podem bloquear a luz do sol de tal modo que, volta e meia, ficam tão escuras na base que nos dão a ilusão de cordilheiras paulistanas a contornar a metrópole e lhe emprestar, ainda que efêmero, perfil mais carioca. Diante das majestosas montanhas me entrego ao deleite despudoradamente, como recomendava Buñuel. Em meus devaneios, estou frente a frente com granitos primordiais, volto às pedras de minha infância e, tal como ao chegar a São Paulo sempre tinha a certeza do mar no final de cada subida - Rua Augusta, da Consolação, Brigadeiro - ao cabo de toda que desembocasse no céu, a certeza pacífica da intuição de que o mar e a praia me esperavam lá, assim me deixo embalar pelo aconchego da Pedra da Gávea, dos Dois Irmãos, do Corcovado e sua corcova principal, cabeça nariguda de pedra, apesar do ícone e de tanta propaganda. |
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