O correio eletrônico, o e-mail nosso de todo dia, é maravilha há muito exaltada neste esconderijo e, entre tantos fascínios modernos da internet, ele continua a ser, para mim, o mais sedutor e não só por sua gratuidade, coisa rara em sociedade tão gananciosa.

Hoje, todavia, deliciou-me correspondência de papel, encerrada em envelope aéreo azul e branco onde já começavam os encantos ausentes no e-mail - delícias táteis e visuais (por vir direto de Lisboa, a carta, deu-me cócegas de escrever tácteis). No canto direito superior, em vez de selo a explicação: 'pré-pago' e o desenho de um cavaleiro vermelho a tocar corneta; ao lado, um quadrado azul onde se lê 'correio azul' e, mais à esquerda, um quadrado azul mais escuro com o desenho de um avião onde se lê 'avião'. Tão português!

Tantas minúcias e as há muito mais, que poderia dar cabo do espaço sem acabar o envelope. Envelope encontrado na caixa de correio de tijolos e recheado com fotos e desenhos e textos, desenhados também, em guirlandas e volteios a traçar caminhos pelo papel com todas as cores da caixa de lápis-de-cor.

Vieram, também, dois cartões postais, com fotos em sépia, um a mostrar recanto antigo da capital portuguesa e o outro, uma mulher descalça a caminhar por uma calçada, rente a um muro envelhecido onde se vê um cartaz um pouco rasgado de 'Lux' ('o sabonete das estrelas de cinema') com uma foto da Sophia Loren, de onde vem o título da obra: "Sofia Loren em Portugal" - Póvoa de Varzim, 1956, assinalado no verso, bem como o nome da autora: Agnes Varda. Ao lado da propaganda do sabonete, uma tabuleta: 'vende-se', a indicar o 'escritório do Dr. Costa' aos interessados.

Eis que se esgota já o espaço quando mal comecei a descrever a correspondência, tão rica em evocações, sem mencionar o texto e a letra corrida, a caligrafia da remetente!