A primavera já se faz em flor à roda toda. Fecham-se por enquanto as comportas do firmamento, mas as poças ainda refletem, no chão encharcado, a fúria das últimas intempéries.
O desafio melodioso do sabiá saúda um amanhecer desprovido de reverberações de luz, do fulgor de brilhos ou da profundidade de sombras sob o amplo manto esbranquiçado de onde ecoam as turbinas de um jato a se afastar.
Vai-se também o inverno meridional, circunspecto, na vizinhança do equinócio. Nas pontas dos ramos negros do velho caquizeiro vicejam pequenas folhas, verde-claro vivo, cheias de viço, com a pujança dos prefácios da vida. No ar úmido, um rasgo de sol destaca uma multidão de insetos pequenos, em vôos rápidos e ziguezagueares. A previsão se cumpre em momentos ensolarados.
Do vizinho, vem um latir incessante, agudo, irritante e acompanhado por um resmungo ou choro, canino também. Outrora fora o cantar do galo da vizinha, insistente, muitas vezes depois da terceira. Agora aviões e helicópteros fazem tempos barulhentos. Sons de cães e de gente enchem o espaço auditivo.
De meu canto, com certa mineirice, parece-me testemunhar a metamorfose do rei em bobo da corte e a surpreendente osmose entre real e virtual.
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