auto-retrato 

Cortes

29/11/11

Cortês, fazia corte à dama da corte quando com um corte vertical fendeu em dois o reposteiro dos aposentos da cortesã.

Quem? Quando? Onde e por quê, poder-se-ia acrescentar nas pegadas de velhos manuais das notícias de jornal, mas a frase não dava conta de nenhuma novidade ou sequer existia, de fato, algo a relatar além da travessura com a palavra de múltiplos significados e prosódias. Poderia ser: Resplandece a corte enquanto a cortesã pensa um corte no antebraço do cavaleiro a lhe fazer a corte.

Sem o fato, na falta da concretude da realidade, jogos de palavras são inofensivos como imprecações vociferadas ao vento ou maldições inócuas esbravejadas em desatino.

Guilhermina, todavia, chegara real e fogosa há uns quatro ou cinco anos e se via agora rebaixada ao harém comunal, segundo os desejos de um Imperador saciado muitas vezes e entediado profundamente pela monotonia e mesmice de encontros conjugais.

Agora, Guilhermina corria a aplacar seus anseios em os braços de cavalheiros daquela e de outras cortes ou com cavaleiros como aquele cujo ferimento, naquele momento, ela lavava e pensava.

Onde o limite entre fato e invenção? Guilhermina correria perigo? Poderia, num piscar, desfazer-se em mero fruto da imaginação de alguém. Cuidado, disse-lhe o membro da ordem de cavalaria, basta um gesto para te tornares mero devaneio alheio e teu corpo esbelto e curvilíneo esculpir-se apenas na fantasia de um poeta louco.

Apreensiva, Guilhermina ponderou: e tu, galopas por verdejantes e verdadeiros prados ou também não passas de devaneio do mesmo ou outro trovador? Entreolharam-se com o leve espanto da perplexidade. Seríamos meros personagens, não mais? - arguiu a moça. Não creio - argumentou o rapaz -, quem, nos tempos de hoje, perderia tempo a engendrar uma dama como tu ou um cavalariço como eu!

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