Publicação esporádica, destinada a se perder como o mugido da vaca, que continua a mugir apesar de se declarar inútil seu berro.

Crônica Temporã

26/09/07

Dir-se-ia palpável a percepção coletiva do iminente e, com ela, da angústia latente ante a pergunta inevitável: iminência do quê?

O relâmpago precede a trovoada mas, aqui, parece que algo antecipa um raio terrível. Já se supôs que eles, raios, deram o empurrão primeiro para que a Vida rolasse a inundar a superfície da Terra. Agora, todavia, anseia-se pelo empurrão para uma humanidade empacada há milênios.

Sei, dona Sabrina, o tamanho do salto que vai do gesto de pegar um graveto para cutucar um cupinzeiro ou espetar passarinho à plaquinha cheia de circuitos integrados, que dorme em bolsos e bolsas, e pode fazer, provavelmente, mais do que seu dono sabe e usa, tal salto, - que não é de sapato - parece incomensurável. Sim, na ciência, na tecnologia, o homem disparou.

Todavia, no resto... Parece mais cruel ao matar Abel, hoje. Não se importa de matar multidões se o lucro compensar. É capaz de chutar um cão e treinar outro para matar. Rouba e clama contra os que roubam. Envenena a comida que come, o ar que respira, a água que bebe. O Homem é, como sempre foi, dona Sabrina, um bicho feroz.

Vai a igrejas, templos e terreiros e negocia com deuses de forma interesseira. Aprendeu a barganhar e a passar o outro para trás, a mentir, a medir vantagens, a ser mesquinho. O bezerro de ouro tomou mil formas e seus adoradores se multiplicaram.

Depois, saem dos locais templos em busca do prazer. A indústria do prazer açambarcou tudo e se fez Midas e fez do Homem, aquele que há milênios se repete, robôs movidos pela promessa de prazer.

É deste caos, deste caldo que me parece emergir uma percepção coletiva de que algo iminente bóia no éter - ah, que saudade do éter, dos dois, daquele do conceito que a Relatividade acabou e do que se vendia em farmácia, com seu cheiro de hospital, para mim - algo bóia no ar como a atmosfera indizível que precede o relâmpago.

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