Sábado, uma e meia da tarde. Gritos desafinados e estridentes me levam à cancela de casa. O grito é mensagem atávica, não só verbal, mas na entonação, na súplica implícita no som.
Uma jovem bonita, de longos cabelos lisos e castanhos, esbelta, com uma calça preta a lhe realçar o corpo como segunda pele, fala ao telefone com a mão direita e, com a outra, esmurra com violência a porta levadiça de uma garagem: Bruno!... Bruno!
Na cena, surge outra personagem a gritar em coro pelo tal Bruno. Depois, ela vem para o meio da rua e chama a moça: 'vamos embora!' Insiste algumas vezes. A moça a chama de mãe e ela, de Alícia à filha, que a ignora e continua a gritar: Bruno!... Bruno!
A mãe, de loiríssimos cabelos, também muito longos e lisos, com uma blusa preta sem mangas e um xale rosa forte ao redor dos quadris, se descontrola. Dá um faniquito e desabafa: 'é sempre assim, toda vez que eu preciso, você...' e fala e intercala gritos pelo tal Bruno e atribui à filha todos seus males: 'você arruína minha vida!... é sempre assim!'
No chilique, não evita palavrões, os mais reles. 'Faço tudo por você e toda vez que tenho um compromisso...' e tome palavrões! Alícia, calma, pede a mãe para ver, com alguém, se o Bruno está em casa. A mãe se dirige a um carro chique, importado, preto com vidros escuros e pega outro telefone. Liga, espera... e nada.
Aí, explode de novo: 'você me arruína! eu tenho horário!' e tome palavrões! Muitos! De repente, me vê na platéia. Desconcerta-se, por lapso, e me diz: 'não é assalto, não, só estamos tentando acordar um menino'. Vira-se mas, sem resposta, se volta e repete:' não precisa ter medo, não, que não é assalto!' Ao fundo, Alícia pega uma bolsa de verniz preto, um casaquinho azul-claro e vai para o carro. Sugere à mãe, já na direção, outra ligação. Ela tenta, nada! Dá a partida e se vão...
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