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Dona Rute14/03/02Para cá do fim do mundo com o excesso de umidade veio um dia escuro e fresco. Homens e mulheres do tempo anunciaram pelo rádio dia ensolarado, de muito calor, com máximas entre 32 e 33 centígrados. No momento em que escrevo, o ar se liqüefaz em gotas. Escurece, a chuva se confirma. Os raios do sol ainda não chegaram para cá do fim do mundo. A aranha não abandona o centro da teia sacudida pelas gotas. Minúsculas gotículas grudam nos fios pegajosos e realçam o desenho da teia, coleta que não serve ao estômago pois aranhas não bebem, embora sejam muito sensíveis à umidade. Essa se estica na vertical o mais que pode para tirar as patas do caminho das gotas que, contra um fundo escuro, criam constelações. Constelar, palavra cara a Jung, que lhe emprestava um significado mais especial do que aqueles corriqueiros do dicionário. Por exemplo, vislumbro uma constelação de pessoas que desejam uma grande mudança - ou seria uma constelação de desejos...? Pouco importa. Amigas e amigos me contam de suas dúvidas e ansiedades, pois sonham começar nova atividade, fazer um curso, seguir por novo caminho na vida, mas todos - e suas idades variam muito! -, todos se perguntam se já não é tarde demais. De certa forma, todos nós temos medo do desconhecido. Não se pode saber, antes, quando é a "hora certa". Não existe hora certa. Não existe seguro de vida! O que há é o seguro do morto, que os vivos recebem. A segurança é, sempre, uma ilusão. A morte chega sem pedir licença e não bate campainha. Parou de chover. A aranha abriu as patas na teia e pássaros já trabalham. Mesmo sem saber, cada dia nos coloca diante do desconhecido. Se seguimos o mesmo caminho da véspera, quase sempre é por puro vício. Em meu primeiro trabalho a telefonista chamava-se dona Rute. A caminho, no ônibus, já sofria ao imaginar que ia ter de repetir: "bom dia, dona Rute" e depois ao outro e... |
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