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Paisagem13/03/02Ao professor parece lógico seu método de ensinar e deve ser mesmo - tudo ordenado, hierarquizado, classificado e apresentado de bandeja, como iguaria japonesa. O que não tem lógica é o jeito de aprender. O verdadeiro aprendizado é quase sempre caótico e se parece mais com a mesa árabe e seus desafios díspares ao paladar. Cai um garfo. Quem se importa? A mãe, por causa do molho no tapete. Explicar ao pimpolho, que o talher cai porque matéria se atrai na razão direta das massas e inversa do quadrado das distâncias, é evitar as terríveis e férteis tempestades, o maravilhoso caos dos descobrimentos. Ponha-se no lugar de um Newton. Quantos tapetes teria ele lambuzado de todos os molhos ingleses? Por serem cheios de energia, imprevistos e surpresas tais processos são, por natureza, desordenados, vivos e confusos. Daí o espanto diante do professor que começa pelo começo e segue como mula cargueira a mesma trilha repisada, vereda que só surgiu quando, finda a erupção do vulcão da descoberta, a lava esfriou. Espanto diante da "tia", capaz de desfiar um rosário de conhecimentos para crianças com a certeza e monotonia de quem reza ave-marias, sem cuidar de provocar a descoberta do prazer de descobrir ou estimular o momento mágico de perceber o que antes não se podia ver. A "tia" se imagina portadora do saber. Aprendeu que ensinar é transferir, a carga para outros ombros. Método fantástico, da magnitude do tédio que produz e infalível para extinguir a sede de saber - sagrada sede, como assinalou Einstein. As crianças, as Anas, Rafaéis, Marias, Miguéis, milhões de crianças, que passam pelas chatíssimas salas de aulas, serão vendedores, lavadeiras, craques, artistas, deputados, poetas, presidentes, traficantes, assassinos... São o país, o mundo, a sociedade. O resto é paisagem, diria Nelson Rodrigues. E é mesmo. |
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