O poeta fala de amor com a fluência e a certeza de peagadê no assunto e fala de uma relação biunívoca, fala da mulher amada - não seria uma poetiza, no exemplo... O religioso fala de amor com o pedantismo e a afetação dos que pairam acima da turba, da galera, da torcida e que detêm um segredo difícil ou impossível de revelar e que lhe dá poder... O biólogo fala do amor entre animais e amor, aí, é sinônimo de atração sexual, de ato sexual, de vida sexual e quando pergunta se seria o amor mais que isto acredita ir mais longe... O adolescente fala de amor como de um deslumbramento mal entrevisto em sonho, de uma revelação que algum deus ou deusa lhe confiou, pessoalmente, e que cumpre guardar e defender de um mundo mesquinho e vil que vê ao redor de si, fala de um tesouro cujo mapa se dispõe a defender com a própria vida... O devasso fala de amores e lindas prostitutas, de coitos fortuitos, coitos de galo, roubados no calor de um rubor, na curva de uma escada, no desmontar de uma risada, com o perfume de uma flor e, ao falar, fala mais de 'triunfos seus' e faz do amor arma de sórdidas batalhas. A moça recatada fala de um amor hipotético destilado no turbilhão de estímulos, que em seu corpo brotam e se reprimem e na torrente de fantasias que se derrama de literatura rasteira, de novelas lacrimejantes, de canções infames; fala de um amor tecido de véus, vestidos, perfumes, espelhos... O poeta fala de amor com a fluência e a certeza... Tantos amores! Fui a São Paulo. É fácil perceber que o número de pessoas desabrigadas - não são como os mendigos de meio século atrás! -, de pessoas, repito, jogadas como sacos-de-lixo nas ruas, aumenta. Perceber um semblante mais carregado nos transeuntes, o mesmo trânsito infernal e, nos pequenos trechos de conversa ouvidos na rua, números e cifrões... Tantos amores! Volta-me sempre o título de Mário de Andrade: "Amar, verbo intransitivo". Só o título, basta. |
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