Talvez por causa da santa do dia - Clara, me diz o rádio -, amanheceu com espessa névoa a proteger a intimidade de cada ser e ocultar minúcias de folhas e outros detalhes a eventuais olhos curiosos a poucos metros de distância. A encosta oposta simplesmente não existia, poderia ser o mar, o céu, o precipício. De quebra, o nevoeiro parece tudo calar. Recolhe os seres em si. Um ou outro pássaro ensaia piar, mas logo desiste. Minto: corruíras, em seu vôo rasteiro e saltitante rente ao chão, murmuram seu murmúrio mais grave. De resto, há o ruído quase imperceptível de raros pingos que caem de folhas de árvores sobre outras, que lhes servem de tambor, mas a folhagem rasteira está seca. A diminuição do nevoeiro é tão lenta que mal se percebe. Com o sol já alto, por fim se dissipa, mas a visibilidade é precária. O que está mais longe parece baço, sem contraste e as montanhas, ao fundo, continuam em silêncio visual. Estão ausentes as montanhas, como calam mães e pais de milhares de adolescentes convocados à guerra, para matar e morrer! Por certo não se criam filhos para assassinar e se auto-imolar. Por fim, uma explicação desnecessária: apenas o início dessa longa ausência se explicaria por problemas com o computador. Depois, a abstinência digital - tudo vicia! - transformou minha relação com esta máquina. A simples idéia de ligar o computador basta para me provocar preguiça macunaímica. Em verdade, tudo que me interessa das infindáveis maravilhas da informática são a correspondência eletrônica - o velho e-mail, que os jovens já dizem obsoleto - e esta croniquim, mas mesmo isto se fez complicado. Quando escrevia o parágrafo acima, de manhã cedo, a luz falhou por um instante e tudo se perdeu, não era tinta nem papel. Agora são quase três da tarde. Resolvi desafiar os deuses ou demônios do computador. |
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