Destroços
14/10/11
Ontem falei de sobras de sonhos nas praias de nossas lembranças. Outras vezes, é óbvio, acordamos e o sonho continua vívido e nos acompanha dia afora sem se deixar apagar. À parte os enigmas desse universo onírico, fascinam-me os mares não sabidos a instigar Colombos e Cabrais na imensidão de nós por nós desconhecida e essa vastidão ignorada dá asas a fantasias de descobrimentos, de partir para as Índias e esbarrar num continente. Todavia, quase sempre estamos ocupados demais, sem folga para a aventura enunciada, dizem, à entrada do templo de Delfos, da Grécia antiga ou mitológica: conhece-te a ti mesmo e corremos desnorteados em busca da tal árvore do Vicente de Carvalho, "árvore milagrosa que sonhamos toda arreada de dourados pomos", atrás de fama, de fortuna, de amores e tudo mais, esquecidos da lição do poeta, sem lembrar que ela "existe, sim: mas nós não a alcançamos porque está sempre apenas onde a pomos e nunca a pomos onde nós estamos." (Poemas e Cancões, 8ª ed., 1928, p.3) É noite de lua cheia, ou quase, com o céu fechado, no entanto, fica apenas a informação. Logo depois de escurecer, um grilo, muito próximo, cantou com tal estardalhaço que pareceu calar o mundo a sua volta. No escuro mais escuro, por fechar-se agora a vegetação, muitos pirilampos vagavam com seu lume intermitente num piscapiscar tracejante. Pouco tempo depois, desabou uma chuva grossa, voluptuosa. São os primeiros vestígios do verão que se aproxima. Hoje, acordei sem vestígio de sonho, sem qualquer destroço de eventuais tempestades ou calmarias na travessia do sono. Jung conta, se não me engano em Memórias Sonhos e Reflexões, que uma tribo africana se reunia toda manhã, em círculo, e contavam-se, uns aos outros os sonhos daquela noite. Algo inimaginável no nosso modo de viver. |
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