Ainda não chove e o céu se estende branco de horizonte a horizonte. Um vento leve, maroto insinua a possibilidade de chuva. Enquanto a manhã de domingo prossegue ao som de mil cigarras de estridentes ziziares. Cantam com o acompanhamento de uma orquestra de pios e gritos de sagüis, espalhados por muitos galhos de muitas árvores.
Na orquestra, sobressaem os sabiás-laranjeira, abundantes neste ano, a evocar as saudades de Gonçalves Dias de sua terra, de suas palmeiras - seriam buritis? - e de cantos que não ouvia lá.
Por volta das nove horas, a gritaria das cigarras cresceu e pareceu vir de todos os lados - um inseto para cada árvore, um ao pé de cada janela! Assinale-se serem outras as cigarras deste rincão, diferentes das de minha infância que, também, ziziam outra cantoria. Cigarras cariocas, bem maiores, estridulam por mais tempo e têm um ziziar mais forte. Depois do crescendo que as leva à nota final, a repetem em duradouro ziziamento. As daqui, não sustentam tal nota por mais de três ou quatro segundos, cinco talvez, contínua, sem repetição, enquanto as de outrora faziam zi-zi-zi... por muito tempo.
Por aqui, vi pelo menos duas espécies, menores que as do Rio e, uma delas, com o abdome vermelho vivo, intenso, a imitar precioso estojo oriental.
O domingo virou segunda-feira seco, sem chuva ou garoa e arruinou todas as previsões. Hoje é o último dia do inverno, o último dia do verão. Amanhã, em um daqueles momentos singulares de equilíbrio na distribuição da energia solar, o equinócio de setembro inaugurará a primavera aqui e o outono do lado de lá.
Se há mais bichos por aqui, alguns inéditos, é conseqüência da destruição de 200 mil metros quadrados de mata por enormes tratores e motosserras ensurdecedoras, aqui, bem perto. Os bichos são sem-ninhos, sem-tocas, sem galhos para se empoleirar...
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