O domingo de lua cheia foi, de dia, singular. Dia de céu azul sem mácula de nuvem, com algo a mais nesta cor ou na vasta gama de cores abrigadas neste 'azul'. Dia de temperatura amena e um sol a nos parecer mais branco em seu luzir. Dia de ventos insistentes, a varrer poluições e deixar mais transparente o ar e esta maior transparência mudava distâncias ao realçar minúcias nos longes e a recortar agudamente cada forma. De início, pareceu-me vir do oeste o sopro quase frio mas, depois, a origem se me afigurou o norte - talvez fosse apenas o noroeste, velho conhecido. Dia quieto, de silêncio incomum a se fazer notar.
Nada disso, no entanto, explica ainda o mistério desse domingo com um quê indefinível, algo inefável a nos circundar. Quem sabe Watson, se vivesse este dia, ponderasse: não serias tu, velho distraído, que emprestas ao dia do Senhor sentimentos e evocações humanas, apenas tuas? Não serias tu a hipostasiar qualidades a um mero dia da semana? Todavia, os três interlocutores postos pelo acaso em meu caminho comentaram, por si, o dia excepcional, que os encantava também. Um, ao falar do inusitado silêncio, não restrito aos arredores da ermida, mas a se estender à cidade gigantesca, lembrou as férias escolares e a revoada de muitas famílias para longe, à guisa de explicação. Outro buscou em complicadas explicações meteorológicas os porquês.
Independente da razão, no domingo perfeito a beleza resplandecia onde quer que se olhasse e ecoava calada na ausência de todo ruído. Um gavião se desprendeu do cume da árvore mais alta e se atirou contra o vento sem bater asas. Do alto, o vi lançar-se na imensidão do vale e o mundo pareceu enorme.
Logo a lua nasceria, cheia, como imenso ponto final de um dia especial. Fica o enigma: que mistério fez deste domingo um dia assim?
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