— Gostaria de escrever, mas me perco. Não sei como me organizar... Anoto uma coisa, depois outra e mais uma ainda e cada uma se perde sem evoluir... Não sei como fazer...
O pedido de ajuda veio por telefone. Afinal, animais verbais, mais tempo, menos tempo bate mesmo a vontade de escrever. Apesar de toda tecnologia e facilidade para gravar o som, hoje ao alcance de qualquer um, por razões atávicas ou psicológicas um belo dia vem o desejo irrefreável de deixar registrado em letra de forma nossa forma de sentir, de observar, de julgar ou, meramente, transcrever o palavrório superabundante de nossas mentes.
Que dizer à consulente? Como sugerir algum método para domesticar as turbulências criativas de outra pessoa? Como pretender organizar a bagunça de outro cérebro, certamente muito diferente da baderna habitual de nosso próprio pensar?
Uma possível sugestão, para começar, poderia ser: conviva com a desordem. É preciso adquirir intimidade com os brotos de textos, com os esboços de ideias, sejam elas tramas, apenas insinuações ou vultos envoltos em brumas insabidas de possíveis textos para se materializarem em decorrência da convivência, de afinidades entre palavras, da busca de clareza ou objetividade, do burilar no nascedouro a própria obra que se escreve.
Por certo existem autores capazes de vislumbrar em minuciosos detalhes toda obra antes mesmo de colocar o papel na máquina (como fazíamos antes do computador) ou de traçar benfeitos esquemas e sinopses da futura criação. Não sou um destes. Estimula-me o navegar sem rumo pelo texto emergente, como se brincasse ali com o Acaso em mútuas provocações.
Amiga, é muito pessoal e apenas você, ao atentar às suas idiossincrasias, ao conviver com seu próprio método descobrirá como você faz, e não, como se faz. Escreva, é o melhor jeito.
do Houaiss: idiossincrasia Datação: 1840
• substantivo feminino 1 Rubrica: medicina. predisposição particular do organismo que faz que um indivíduo reaja de maneira pessoal à influência de agentes exteriores (alimentos, medicamentos etc.) 2 característica comportamental peculiar a um grupo ou a uma pessoa
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Mon, 22 Jan 2018 10:40:39 -0200
Oi, Clôde
Estive fazendo uma arrumação nos livros que me restaram, e encontrei um que não me lembrava de ter lido: O Tao da Física, de F. Capra. Você conhece? Comecei a ler e me lembrei de você e do Homo verbalis em um capítulo intitulado Além da linguagem. Transcrevo três citações que abrem o capítulo:
A contradição que se mostra tão enigmática em face do pensamento usual provém do fato de termos de utilizar a linguagem para comunicar nossas experiências íntimas, as quais, em sua própria natureza, transcendem a linguística (D.T. Suzuki).
Os problemas da linguagem, aqui, são efetivamente sérios. Desejamos de alguma forma falar acerca da estrutura dos átomos (...). Mas não podemos falar sobre os átomos utilizando a linguagem usual (...) O problema mais difícil no tocante à utilização da linguagem surge na teoria quântica. Aqui, não nos deparamos de início com qualquer guia simples que nos permita correlacionar os símbolos matemáticos com os conceitos da linguagem usual; e a única coisa que sabemos desde o início é o fato de que nossos conceitos comuns não podem ser aplicados à estrutura dos átomos. (W. Heisenberg).
Nunca estudei Física (exceto tentando - sem sucesso - ajudar meus filhos no colegial); o pouquíssimo que entendo se deve à minha convivência com Amelinha Hamburger, uma colega da Física, e à leitura de Breve história do tempo, de S. Hawking - que me fascinou, embora eu não tenha entendido nada do capítulo sobre a teoria quântica - agora sei por que: as palavras que se referiam a partículas subatômicas (quando eram palavras, e não expressões matemáticas) eram totalmente estapafúrdias, pareciam nomes de entes mitológicos...
Limites do Verbo? Ou Verbo inclui outras linguagens - matemática, musical, pictórica e por aí afora - e o problema é ser analfabeto nelas?
Segundo o Aurélio inclui:
1. Palavra, vocábulo. 2. Tom de voz; entonação. 3. Rel. A segunda pessoa da Santíssima Trindade, encarnada em Jesus Cristo.
[Com cap.]
4. A sabedoria eterna. 5. Expressão (3). 6. E. Ling. Classe gramatical que tipicamente indica ação e que pode ou constituir, sozinha, um predicado, ou determinar o número de elementos que este conterá.
Eu, hein? Vivendo e aprendendo... ou se confundindo?
Bjs Ana
Oi, Ana,
Apenas ouvi falar de "O Tao da Física", nunca o li, mas adorei as suas transcrições. De fato a linguagem, apesar de seus feitos maravilhosos, não implica na possibilidade de comunhão, do entendimento além das palavras como às vezes ocorre entre verdadeiros amigos ou enamorados. Nossas "experiências íntimas" muitas vezes não se traduzem em palavras.
Quanto à Física Quântica, pouco entendo dela, mas a vejo assumindo uma importância crescente em nosso mundo. Na área da Inteligência Artificial, existe um grande esforço para construir "computadores quânticos", nos quais os resultados são obtidos por métodos da mecânica quântica. Neles, cada "bit" seria simultaneamente 1 e 0! Quer dizer, não é fácil lidar com essas coisas com a nossa linguagem corriqueira.
Ainda sobre Física Quântica, estou lendo um livrinho "A realidade não é o que parece", de um físico, Carlo Rovelli, especializado na matéria...
Obrigado.
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