Dois pontos
26/09/11
Dois pontos, hífen, fecha parêntese. Em caso de tristeza, abra-se o parêntese em vez de o fechar. Creio terem sido estes os primeiros ícones desta era, filha da internet, a embaralhar realidade e ficção. Os ícones sorriam e choravam entre letras verdes na tela preta. Para seres humanos, todo o arsenal de letras e números, toda eloquência da razão e precisão da matemática, a beleza da poesia e a lógica da retórica, todo lero-lero não bastava e a emoção encontrou nos sinais de pontuação caminho certeiro para transbordar de si o que transcende o pensamento. Os dois pontos, hífen e parêntese que se fecha são capazes de sorrir. Um sorriso inequívoco, cheio de entrelinhas. Quando se finda abrindo parêntese, é manifesta a tristeza, a dor, pois, há milênios, vimos aprendendo a ler no rosto humano estes sinais. Muito criança, me distraía demoradamente com manchas nas paredes. Assim como se veem elefantes ou gigantes em nuvens, eu via rostos de gente e de bicho nas imperfeições da massa, nos defeitos do desempenar. Ainda hoje, se me abstraio da visão consciente, surgem personagens nos defeitos de acabamento de paredes e pisos. Com raríssimas exceções, são sempre rostos. Bastam dois pontos (às vezes, um único) para surgirem olhos e, deles, um rosto. Ora, por que os dois pontos que precedem uma explicação seriam diferentes? O nariz e a boca são apenas consequência: observe, veja ali os dois olhos espiando depois da consequência, da palavra consequência, bem entendido. A transformação é indolor e imediata, pois, geração após geração, nosso cérebro tem estado atento a quem ou o quê nos observa e fez de nós bicho tão visual. Na moita, os olhos nos vigiam, como o "moita" da juventude, um desenho que repetíamos, em banheiros, cadernos, em toda parte - na pele, não: quase ninguém se tatuava. |
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