O segundo dia do antepenúltimo mês do ano, o ducentésimo septuagésimo quinto e eis-me aqui a enfileirar ordinais por absoluta falta de assunto. Permanece há onze dias o silêncio e, aparentemente, o broto da planta, o pio inédito, a correição de formigas, por uma ou outra razão ou as vastas teias douradas a reter gotas de chuva como pedras preciosas estimulavam-me mais o verbo que os feitos da cidade com suas multidões a ir e vir, a descontrolar-se em via pública por ignotos motivos, como a senhora, dois passos atrás do homem e a lhe gritar, no limite magnificamente descrito como "à beira de um ataque de nervos", no título do filme de Almodóvar, "Ílson, quero ir embora!" ou o tatuador todo tatuado e com um disco prateado metido no lóbulo da orelha, como os índios costumavam usar, encostado e com uma perna dobrada para apoiar o pé na parede, à espera de cliente, enquanto lia, não lembro se revista ou jornal, ao lado dos poucos degraus de acesso a sua loja, recém-inaugurada, onde antes funcionou uma farmácia, ou o senhor de idade, baixo, sem calvice e de cabeleira muito branca, manco e com o ombro esquerdo bem mais alto que o outro... Há pássaros, aqueles marinhos, a voar alto em grandes bandos, cujo nome desconheço e pombas, conspícuas por toda parte, entre as pernas das pessoas nas calçadas, nas areias ou nos cocurutos dos prédios, nos desvãos e, ainda, a pequena ave, predominantemente branca com detalhes pretos, a voejar entre copas de árvores e coqueiros da praia e suas areias ou um outro pequeno, sempre em pares, marrom com sutil colar acinzentado e coloração mais ferruginosa no peito, mas não como o sabiá-laranjeira, inédito para mim por aqui, mas a me lembrar ser esta a época do começo de sua cantoria, aquela inesquecível, também para Gonçalves Dias... Nada, nenhum assunto! |
Fri, 2 Oct 2015 08:24:21 -0300 Em arte não existe melhor assunto do que não ter assunto... Ludwig Wittgenstein Obrigado. Fri, 2 Oct 2015 11:04:07 -0300 nossa, que lindo, Clode!!!! Você não precisa de formigas, jacus e aranhas, qualquer coisa ganha poesia e visibilidade nas suas descrições! Adorei. sem assinatura Obrigado. Fri, 02 Oct 2015 08:57:28 -0700 (PDT) vc sempre descreve tudo com uma sensibilidade incrivel sem assinatura A beleza e miséria da vida estão em volta de nós... Sat, 3 Oct 2015 20:34:03 -0300 Quem diria... ainda e sempre... sem assinatura E o poeta morreu ao largo do litoral maranhense, pedindo a um marinheiro para lhe soprar fumaça de tabaco nos pulmões, pois não conseguia mais aspirar... |
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