'Meu primeiro desenho' by  Anucha [1991]

Ducentésimo septuagésimo quinto

02/10/15

O segundo dia do antepenúltimo mês do ano, o ducentésimo septuagésimo quinto e eis-me aqui a enfileirar ordinais por absoluta falta de assunto.

Permanece há onze dias o silêncio e, aparentemente, o broto da planta, o pio inédito, a correição de formigas, por uma ou outra razão ou as vastas teias douradas a reter gotas de chuva como pedras preciosas estimulavam-me mais o verbo que os feitos da cidade com suas multidões a ir e vir, a descontrolar-se em via pública por ignotos motivos, como a senhora, dois passos atrás do homem e a lhe gritar, no limite magnificamente descrito como "à beira de um ataque de nervos", no título do filme de Almodóvar, "Ílson, quero ir embora!" ou o tatuador todo tatuado e com um disco prateado metido no lóbulo da orelha, como os índios costumavam usar, encostado e com uma perna dobrada para apoiar o pé na parede, à espera de cliente, enquanto lia, não lembro se revista ou jornal, ao lado dos poucos degraus de acesso a sua loja, recém-inaugurada, onde antes funcionou uma farmácia, ou o senhor de idade, baixo, sem calvice e de cabeleira muito branca, manco e com o ombro esquerdo bem mais alto que o outro...

Há pássaros, aqueles marinhos, a voar alto em grandes bandos, cujo nome desconheço e pombas, conspícuas por toda parte, entre as pernas das pessoas nas calçadas, nas areias ou nos cocurutos dos prédios, nos desvãos e, ainda, a pequena ave, predominantemente branca com detalhes pretos, a voejar entre copas de árvores e coqueiros da praia e suas areias ou um outro pequeno, sempre em pares, marrom com sutil colar acinzentado e coloração mais ferruginosa no peito, mas não como o sabiá-laranjeira, inédito para mim por aqui, mas a me lembrar ser esta a época do começo de sua cantoria, aquela inesquecível, também para Gonçalves Dias...

Nada, nenhum assunto!

Fri, 2 Oct 2015 08:24:21 -0300

Em arte não existe melhor assunto do que não ter assunto... Ludwig Wittgenstein

Portanto, gostei muito.

Abração

Ebert

Obrigado.
Desconhecia a citação, salvo se for a segunda vez que você a menciona, mas nem disto estou certo...
Grande abraço, c.


Fri, 2 Oct 2015 11:04:07 -0300

nossa, que lindo, Clode!!!! Você não precisa de formigas, jacus e aranhas, qualquer coisa ganha poesia e visibilidade nas suas descrições! Adorei.

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Obrigado.
Todavia, sinto falta dos bichos e do mato ao redor...


Fri, 02 Oct 2015 08:57:28 -0700 (PDT)

vc sempre descreve tudo com uma sensibilidade incrivel

muitas saudades, te adoro muito meirmao

      sem assinatura

A beleza e miséria da vida estão em volta de nós...


Sat, 3 Oct 2015 20:34:03 -0300

Quem diria... ainda e sempre...

Minha terra tem
palmeiras...

Ou: tinha, né?

bjos

      sem assinatura

E o poeta morreu ao largo do litoral maranhense, pedindo a um marinheiro para lhe soprar fumaça de tabaco nos pulmões, pois não conseguia mais aspirar...

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