Ninguém discordaria quanto à exuberância do desenvolvimento da ciência e da tecnologia nos últimos cem anos. Progresso que serviu, como é inevitável, ao bem e ao mal. Se, por um lado, serviu para quase dobrar a esperança de vida do indivíduo, por outro, aprendeu a matar este mesmo indivíduo com muito mais precisão e eficácia. Se soubemos fazer jorrar do invento dos irmãos Lumière montanhas de dinheiro e uma miríade de entretenimentos, também soubemos criar um estado de mútua e permanente espionagem, uma descabida e generalizada desconfiança a levar de enxurrada, a descontração ante os estímulos e desafios da vida e qualquer possibilidade de lucidez. Se o avião fez o mundo menor, logo esgarçou-se um riso sarcástico ante a possibilidade de o rechear de bombas.
Tudo isto parece muito óbvio para que alguém discorde. Ao mesmo tempo, nos mesmo cem anos, se assiste a uma contínua e brutal degradação da sociedade. Esta afirmação, todavia, é mais difícil de comprovar, pois degradação da sociedade é conseqüência da degradação do indivíduo, de seu universo mental e psicológico - um campo cheio de brumas...
Discute-se Ética do fundo da corrupção, fala-se de uma Política impoluta entre sórdidos golpes de cobiça e ganância e, quanto mais escuridão e bandalheira, mais se fala em transparência e retidão.
Súbito, o sol brilha, e a manhã, antes indecisa e baça, resplandece, alheia aos cuidados dos homens, que continuarão a se multiplicar em todo tipo de cama, ainda que não saibamos lidar com os próprios dejetos.
A pequena borboleta passa incólume pelas sucessivas teias de uma colônia de aranhas. Parece achar seu caminho sem os transtornos dos humanos véus, sem fantasias ou sonhos. Os frágeis ramos de uma planta se sacodem - um alma-de-gato, imenso, lindo, pousou. Silencioso, é todo atenção.
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