autor, circa 1996 Crônica do dia

Efemeridade

13/04/10

Efêmera é a vida de uma idéia na cabeça de um velho. De uma idéia banal, de uma lembrança ou um propósito que acode à mente, como anotar a lista de compras, o rol de um fazer qualquer, a frase eufônica, simpática em seus ecos à mente. Daí, é preciso ligar o computador com suas demoras nos arranjos e desarranjos intestinos, até surgir alguma coisa inteligível, isto, se ele não vier com perguntas idiotas sobre problemas seus, máquina infernal ou se meter a oferecer para fazer isso e aquilo, coisas de interesse do sistema, talvez até do 'sistema operacional', algo sisudo, quiçá vital à saúde dos milhões de transistores miniaturizados e compactados e esmagados num circuito integrado a integrar a alma e o âmago dessa máquina esquizofrênica, com ares de sabe-tudo tão sem sabedoria, viciada em joguinhos, iconólatra voraz e paranóica! Paranóica a pedir senhas e contra-senhas a cada passo e a ergue barreiras e proibições com a empáfia de um agente secreto e a arrogância de um policial.

Enfim, quando se abre a janela do senhor das janelas e comportas e portões, à guisa de papel branco, de tela virgem, de arena ávida pelo inédito, pela criação pungente melada ainda dos fluidos do criador, área intocada a espera de um gesto genial, do metralhar de letras na elegante caligrafia virtual... Nada, e a janela imaculada dá para paisagem alguma, como janela riscada com giz em parede da prisão.

Foi-se a idéia diminuta inicial. Ela se esvanece, empalidece e some de todo sem deixar rasto ou vestígio. Ela, passível de se tornar uma crônica do dia, se volatiliza nos preâmbulos do computador, eficaz liquidificador de atenção.

Diante do exposto, rogo ao leitor e à leitora - ladies first? - compreenderem a ausência daquela prosa neste dia, devorada pela tecnologia como num passe de mágica: ei-la aqui.

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