Há quatro mil e setecentos dias, quando vinha à luz a trigésima sexta crônica boba, como ela se enunciava na primeira linha e ali declarava, ainda, ter-se tornado uma aventura seu parto de cada dia, não poderia imaginar-me hoje, olho esbugalhado ante o vazio de assunto, sem nem mesmo o diabo para atrapalhar - ou ajudar, ao que parece. São quase treze anos, os quatro mil e setecentos dias! Se buscasse um culpado diria ser esta crônica, não mais cotidiana, uma adolescente, aborrecida como cabe à adolescência ser, insegura mas, também, cheia de expectativas. Dona Sabrina foi posta de lado como o demônio, tia Sophia e Primo Nicolau. Mas quem sabe os anos das crônicas se contem como os dos cães, quando cada um vale muitos e, em vez de adolescência a crônica, de início diária, e mais esporádica a cada dia seja agora anciã, vizinha do ponto final. Não me move mais relatar a explosão de flores da laranjeira e seu perfume indizível ou o final da queda de folhas - só agora! - do liquidâmbar ou a pressa da paineira, já de copa fechada de jovens folhas claras e tenras ou a profusão de caroços espalhados por toda parte, deixados pelos sabiás como testemunho de duradouro ágape. Não me inspiram os assuntos da mídia, crimes ou falta de castigo, poderes a medir força, embates de catequeses, caça de mentes para esta ou aquela crença, tabulações de dados como se neles dormisse alguma verdade fora a profusão de motivos para distração... Talvez um sonho ou devaneio ajudasse, mas os sonhos me escapam antes de acordar e esqueci como se faz para devanear. A consciência da eventual expectativa da leitora formosa ou do sábio leitor, ou vice-versa, pois ela pode ser sábia e ele, formoso, me aperta não sei onde e me força a este embuste, que se faz de crônica sem o ser e fingir contar uma história quando nada existe para contar. |
|home| |índice das crônicas| |mail| |anterior|