auto-retrato [] Crônica do dia

Endosso

31/03/10

Fui treinado desde o útero para ser devoto da ciência. Em meados do século passado, parecia verossímil resolver as dificuldades do Homem com o conhecimento e a razão. (As conquistas espaciais e as bombas pareciam provas definitivas). Meu pai endeusava homens como Leibniz, Newton, Pitágoras, e Einstein, era uma espécie de Zeus em seu firmamento. Ainda assim, se dizia agnóstico (e não, ateu).

Segui, vida afora, devoto desta religião não declarada, deleitando-me com cada feito da Ciência, ainda que inédito apenas para mim. Assinei (com um livreiro local), a "Scientific American", por uns dez anos, e a lia de cabo a rabo com voracidade. Zeus, ali, era uma deusa, não um deus: a inteligência, esta entidade abstrata, a ela cabia o trono mais alto em nosso céu. Tal divindade resolveria, através dos tempos, todos os males que nos afligem, eliminaria toda miséria a adoecer a sociedade, restauraria o Paraíso que inventara, ela, Inteligência, em tempos outros, carentes de outras fantasias e detentores de outros instrumentos, mais rudes.

Hoje, me é claro o papel da emoção. Sei que, às vezes, a razão sucumbe em momento decisivo. Hoje, endosso essas palavras de um primatólogo:

"A ópera, com suas relações humanas dramatizadas, retrata o lado do comportamento humano que muitos filósofos não levam em conta e muitos cientistas sociais consideram secundário à nossa aclamada racionalidade. Mas a vida humana, ou pelo menos a parte à qual damos maior importância, é totalmente emocional. Além de amor, consolo, culpa, ódio, ciúme e assim por diante, na ópera nunca faltam a vingança e a doce satisfação que ela sabidamente proporciona."

"Eu, primata - por que somos como somos" (Our inner ape - A leading primatologist explains why we are who we are),
Frans de Waal (1948 -), Trad.: Laura Teixeira Motta - São Paulo, Companhia das Letras, 2007.

 

|home| |índice das crônicas| |mail| |anteriorcarta1173 carta1174 carta1179

 

2455287.11135.1018