A fotografia digital não envelhece, pelo menos como envelheciam as fotografias transferidas para o papel ou o slide por meios químicos, onde a natureza da imagem eram sais de prata ou pigmentos, ambos passíveis de reação com a atmosfera e a luz. Aquelas imagens, que ainda se escondem em gavetas e museus, amarelavam, desbotavam e mudavam de cor. Tal como o gesso de Manuel Bandeira, estas imagens antigas são capazes de sofrer com a ação do tempo ou de eventual "mão estúpida" e, como conclui o poeta, tornarem-se mais vivas graças ao sofrimento. Divago diante de uma imagem muito antiga, em verdade, uma fotografia ruim, com uma luz feia, transcrita primeiro para papel e, há um doze anos, reproduzida nas intermináveis fileiras de zeros e uns - sim ou não - das imagens como de tudo mais nos computadores. Encontrei a foto em alguma esquina das entranhas desta máquina e, por vício antigo, surpreendeu-me seu estado impecável, sem qualquer mancha, com os brancos, brancos e os pretos mais profundos sem nenhuma 'metalização', nada. Bits e bytes não se oxidam, nem têm elétrons livres ávidos por complementação e a foto antiga continuava como se o tempo tivesse parado, como se a vida o deixasse de ser.
Tudo muda a cada instante. Ontem é apenas mancha imprecisa como esta fotografia minuciosa, de uma realidade morta, hoje, mentira. Os vasos de plantas desapareceram. A porta sumiu na reforma e muito mais mudou. As telhas são outras, o banco se demoliu. Não importa se a porta é outra, se a cadeira se queimou: a Fotografia se distingue por este condão: parar o tempo, como dizia Maureen, com o pé no ar do passo que não se completou. Ou, na voz do menino: "é quando a televisão pára de mexer, fica tudo paradinho e a gente pode olhar as coisas devagar." Falta o mainá a repetir "aqui, agora" para nos desafiar. |
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