Na internet, existem muitas páginas com dados errados sobre a enfoco - Escola de Fotografia. Eis um breve resumo, com dados verídicos, da história da escola. Quem conta esta história também idealizou, criou e dirigiu a enfoco durante seus oito anos de vida.
A enfoco tem sua origem em obra do acaso, bem ao gosto de Buñuel. Pouco antes de ser demitido da sucursal do Jornal do Brasil, em maio de 1968, fui convidado, por um casal cujo nome não lembro, vendedores de livros de redação em redação, para elaborar um pequeno curso de fotografia. Eles sonhavam com um centro de atividades culturais onde se daria o curso. A idéia me fascinou imediatamente, pois nunca fui fotógrafo de fato e, muito menos, repórter fotográfico, mas sempre adorei ensinar, qualquer coisa.
Ao me ver desempregado, a possibilidade se mostrou ainda mais tentadora. Os contatos com o casal provaram ser o tal centro e os eventuais cursos cada vez mais improváveis. O acaso trouxe, então, um vizinho, o Plínio, sempre a estimular a coragem indispensável para enfrentar a desafio sozinho, ou melhor, sempre com a ajuda de muitos amigos e amigas.
O Plínio fez mais: achou um anúncio de jornal e se dispôs a fiar o aluguel do que seria primeiro endereço da enfoco - no começo, curso enfoco: Av. Paulista, 326/144. Lamentavelmente, não lembro o sobrenome do Plínio, se é que o soube algum dia.
Lá, a difícil tarefa de organizar o atendimento aos alunos e cuidar da burocracia foi magistralmente solucionada por uma grande amiga, que morava, então, ali perto: Paula Whal.
O prédio comercial, onde estava a pequena sala se fechava às 20 horas. Em ponto! E essa era apenas uma das muitas restrições... Difícil continuar lá sem laboratórios, sem estúdio, com aquele horário etc. A avenida não era tão famosa nem tão importante como hoje e seis meses depois, o contrato de aluguel foi cancelado. Naquele ano de 1968 o acaso ajudou ainda, com o lançamento de um filme que pôs em grande evidência a fotografia: Blow Up.
Rua Batatais, 492 foi o endereço da enfoco a partir de março de 1969. O curso enfoco, passa a ser enfoco - Escola de Fotografia. Uma reforma na casa proporciona um pequeno estúdio, três laboratórios e um espaço para exposições. Tudo isso graças ao apoio de um amigo, Fernando Morais - sim, o famoso escritor, na época, repórter do Jornal da Tarde - cuja interferência convenceu o Banco Real a acreditar num barbudo pé-de-chinelo em plena ditadura militar - quando barba era quase sinônimo de comunista - e ao talento do Miltão outro cujo sobrenome nunca soube ou esqueci -, levado até lá pela mão de outro amigo, o Regastein Rocha. Milton, cheio de talento para criar ao ser encanador, eletricista, carpinteiro etc., principalmente et cetera.
Nos anos setenta a fotografia parecia em turbilhão. No mundo, atingia preços cada vez mais altos em galerias e leilões de arte. A escola elabora os currículos de seus cursos sem qualquer parâmetro. Eles se definem e modificam ao mesmo tempo em que são aplicados e os cursos se desenvolvem. A tecnologia vive o início da revolução dos circuitos eletrônicos no controle das máquinas convencionais. Novas tecnologias, novos fotômetros, o surgimento de objetivas inéditas. O aprimoramento de películas e processos permite fotografar com mais qualidade e menos luz. É a época da Fotografia. A partir de 1969 uma segunda cabeça passa a esboçar, traçar, acompanhar e, principalmente, definir os rumos da enfoco: Anucha.
1945 - 1992
Anucha foi literalmente a alma da enfoco, sua anima. Ao longo do tempo tem, na escola e na empresa, participação crescente e decisiva. De início, cuida da infra-estrutura, da organização. Administra. Cuida para que os alunos sejam bem recebidos e encontrem desde um banheiro impecável a equipamentos e materiais didáticos funcionando. Forma a secretária e limpa privada, se preciso for, como ela mesmo dizia. Todavia, sua capacidade de organizar e sua sensibilidade a levam, cada vez mais aos aspectos educacionais - em particular à linguagem e expressão. Por fim, se incumbe integralmente desses aspectos nos cursos, sem descuidar da administração que, sem ela, jamais teria existido.
De um outro ponto de vista, seria preciso assinalar minha porção autista para deixar patente que sem ela a enfoco - Escola de Fotografia não seria possível. Eu, simplesmente, não sei lidar com gente, o que ela fazia com naturalidade e rara competência. Não só sabia lidar com as pessoas como esses relacionamentos a fascinavam, psicóloga que era de fato, malgrado não tenha concluído a faculdade. Não exagero ao dizê-la alma da escola.
Em 1969, o Jornal da Tarde publicou uma longa matéria com belíssimas fotografias sobre CARANGUEJEIRAS, não as aranhas, mas mulheres que, mergulhadas no lodo dos mangues, catam caranguejos. Fui procurar a autora das imagens esculturais: Maureen Bisilliat. Ela logo aceitou o convite para "dar aulas na enfoco" e, a partir do final daquele ano se tornou colaboradora e personalidade decisiva nos rumos da escola. Outros fotógrafos também lecionaram e colaboraram, mas nenhum com o mesmo envolvimento e participação da Maureen.
Peço perdão antecipadamente a todos os colaboradores da enfoco não mencionados aqui por puro esquecimento. Afinal, tudo depende de uma única, precária e velha memória. Lurdinha foi, além da Paula, a responsável pela secretaria e recepção e... ralações públicas e telefonista e moça do cafezinho etc. Monique trocou o curso pela organização da biblioteca da escola. Francesa, formou-se em biblioteconomia em sua terra natal. Entre os muitos monitores que colaboraram com a enfoco lembro (ordem alfabética) do Hilton Ribeiro,do Lúcio Kodato, do Luiz Eduardo, da Maren, do... Todos têm seus nomes completos na página que destaca alguns ex-alunos. Houve outro professor que lecionou fotojornalismo com regularidade, durante um bom tempo: Cristiano Mascaro. Circe, que trouxe sua criatividade de muitas formas para a escola e outros fotógrafos famosos deram aulas, esporadicamente e, por fim, um jornalista famoso: Maurício Kubrusly.
painel da exposição retrospectiva de Cristiano Mascaro - fotografia de Carlos Ebert
Além destes colaboradores, um pequeno grupo de amigos foi de importância vital no desabrochar da enfoco. Gente que estava tão presente, tanto na vida da escola como na nossa, pessoal, no dia-a-dia da casa. Gente que participou de forma integral do processo e, por isso, torna quase impossível destacar determinado aspecto da convivência contínua e desinteressada ajuda. Entre estes logo lembro: Sandra Abdalla, Ebert, Carlos Ebert; Pedrão, Pedro Martinelli; Lúcio, Lúcio Kodato; Moacir, Moacir Amaral; o Matuck, Rubens Matuck e há, com certeza, outros, esquecidos na memória de um velho.
Registro tardio: outra pessoa com presença frequente na enfoco, por um certo tempo, que só agora me lembrei: Bóris Kossoy, fotógrafo e, segundo contou na época, primo de Bóris Casoy.
A galeria enfoco é um capítulo separado, com um sócio muito mais entusiasmado, muito mais dedicado e que era, de fato, muito mais dono do que eu: o Paulo Mello. Ela terá uma página à parte. Volta-me à lembrança agora uma exposição muito especial feita na enfoco, antes de existir sua Galeria de Fotografia: "Achados, Catados, Guardados". A Escola de Fotografia, desde o final de 1969, realizou mostras, inicialmente dos trabalhos dos alunos e, posteriormente, de temas diversos relacionados à Fotografia. Era mais uma atividade extracurricular, que incluíram, também, projeção de filmes e shows performáticos.
"Achados, Catados, Guardados" se fez a partir de objetos colecionados por Maureen Bisilliat, muitos de artesanato popular e todos escolhidos e guardados pela fotógrafa, já famosa na ocasião. Pouco tempo depois desta exposição, junto com outros sócios, ela lançaria "O Bode", loja especializada em arte e artesanato brasileiros, inicialmente em uma sala de sua residência, na rua Bela Cintra e, mais tarde, instalada na casa vizinha.
As últimas turmas da enfoco tiveram o curso no primeiro semestre de 1976, sempre no endereço da rua Batatais, 492. Vinte de dois anos depois, em 1998, o poste, pintado com as cores da fachada, continuava do mesmo jeito, na frente de um grande prédio, já que a casa original desaparecera...
O logotipo e os primeiros cartazes foram criados pelo arquiteto Vicente Formiga. Os demais foram desenvolvidos na própria escola. Esta página é encimada pelo papel de carta criado por ele.
Durante sua existência a enfoco tentou algumas parcerias (que funcionaram por algum tempo) e foi procurada por outros interessados, cujas propostas nunca foram tentadas ou não deram certo: no primeiro caso estão a Importécnica, a Fotoptica, o Instituto de Artes e Decorações (IAD), e a Inak (equipamentos de iluminação); no segundo, a Escola Brasil e a escola de fotografia Imagemação, entre os que me lembro.
O topo desta página reproduz o papel de carta da enfoco - Escola de Fotografia, desenhado por Vicente Formiga.
novas lembranças a qualquer momento.