A estagiária cuidou de retocar a maquiagem antes de sair com o cinegrafista (que não registraria cinema, mas vídeo) para sua primeira 'reportagem', apesar de somar beleza ao viço natural da juventude, que torna atraente todo moço e toda moça em fase explícita de acasalamento. Faria um 'povo fala', na Avenida Central, em tarde ensolarada e quente. O suor, que desafiava a maquiagem, e o leve rubor, que a dispensaria, se deviam mais à ansiedade que ao calor. Decidida, partiu. Na terceira entrevista, repetiu a pergunta a um velho: - Senhor... senhor... por favor: o senhor acha certo voto obrigatório? Ele parou, olhou-a com calma, recuou um passo do imenso microfone com colarinho de palhaço, que lhe parecia ameaçar como arma e também perguntou:
- Como você se chama? Posso chamá-la de você, não? Poderia ser seu avô... Ela titubeou por uma fração de segundo e disse seu nome, disse que sim. Ele continuou: - Você é funcionária de uma empresa que negocia informação, não? Ela o olhou mais demoradamente e fez um gesto afirmativo enquanto ouvia: - ... uma empresa que vende informação e cobra caríssimo para compartilhar a atenção que obtém ao difundir esta informação, não? Ela continuava a balançar a cabeça automaticamente... - ... agora, me diga: quanto eles pagariam pela mercadoria que você, eventualmente, obtiver comigo? - Como, senhor? - Ora, você acharia correto um joalheiro pedir que lhe dessem um diamante, ainda que bruto, sem qualquer remuneração? Ela abaixou o microfone e fez um sinal ao cinegrafista para que parasse de gravar. Sorriu e começaram a conversar sem registro, uma conversa só dos dois. Viu, do outro lado da avenida, um café com mesinhas na calçada e propôs continuarem a conversa lá... Pus um ponto final em meu devaneio sem saber se me encantava mais a fleuma que jamais terei ou a beleza da mulher. |
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