detalhe de desenho de Anucha

(de esporadicidade imprevisível)

 

Epílogo

21/04/18

A real patuscada não diferia das comemorações coletivas desde os tempos dos sacrifícios sangrentos a deuses diversos, incluindo-se aí o Bezerro de Ouro. Era uma ocasião de alheamento e desatenção, regada por vapores etílicos e abandono aos instintos irracionais. O mensageiro do Rei observava a turba aumentar o volume das vozes e ensaiar paqueras recíprocas.

Via-se ali a nata da sociedade do reino misturada a plebeus. A Dama de Azul se fora, não fazia parte da corte palaciana, permaneceu apenas no âmago do mensageiro do Rei, em quem ecoava a Ode à Alegria, a Ode an die Freude, do quarto movimento da Nona Sinfonia, de Beethoven. A alegria do mensageiro do Rei vinha toda da Dama do Vestido Azul. Se encontrariam em breve, mas já começava a temer acordar repentinamente e descobrir não passar tudo de um sonho, descobrir-se personagem de um filme projetado por seu próprio cérebro apenas em sua mente.

Seria a Dama de Azul unicamente uma aparição, mera fabulação quase mística, imprevista e entrevista pela estreita abertura de uma porta? A memória humana prega peças, seleciona algumas sequências e descarta muitas outras. O passado se tece, por isto, de momentos isolados e carece de tudo entre um "momento decisivo" e o próximo. O torrão de açúcar oferecido pelo monarca a sua claque se diluiu como o sal na água, sem deixar qualquer vestígio no mensageiro do Rei. Apenas a Dama do Vestido Azul persistia em sua mente e ocupava todo seu ser.

Sobreveio-lhe o medo da felicidade a corroer a realidade. No mundo da fantasia personagens não precisam comer e jamais têm de urinar ou evacuar. A busca do alimento, como salientou Einstein, se estende a todos e "todos estavam condenados a participar dessa busca pela mera existência dos seus estômagos".

O mensageiro do Rei se espreguiçou antes de abrir os olhos.

Sat, 21 Apr 2018 11:44:04 -0300

Oi, Clôde

Juntando as três, é uma short story...
Que tal você inaugurar um novo gênero?

Bjs
Ana

Oi, Ana,

Seria um conto, certo?

O problema está em minha dificuldade com escrever ficção. Fiz as três como um ensaio, como mais uma tentativa de me equilibrar no universo da mentira e acreditar em tudo que não é. Mas logo me pego rindo-me de mim por saber que tudo não passa de invencionice.

Obrigado pela sugestão. Acho que farei outras tentativas...


Sat, 21 Apr 2018 12:52:37 -0300

ah, eu que não li as 2 anteriores, quase comecei pelo epílogo, mas parei quando vi que se tratava da tal dama de azul.
Vou voltar pro começo

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Que legal! É mais divertido assim.

Os links "real patuscada" e "ontem" levam à anterior.


Sun, 22 Apr 2018 16:17:49 -0300

ah!

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"Ah!" o que?

Não gostou de se tratar de um sonho?

me decepcionei, coitado do cara


Sun, 22 Apr 2018 20:10:06 -0300

Mais uma vez um texto delicioso...

      sem assinatura

Você é suspeitíssimo...
Merci.

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