Era uma vez um menino que adorava o jeito direto das histórias começarem com três palavras quase mágicas: era uma vez... Bastava sua avó as pronunciar para tudo se transformar ao redor, como ao toque da ponta cintilante de uma vara de condão.

Gostava tanto o menino, que queria contar, ele também, uma história encantada pelas três palavras mágicas, uma história começando como histórias de lobo e Pedro e Chapeuzinho, histórias de maçãs envenenadas e bruxas fascinantes, apesar de crudelíssimas. Todavia, ele não tinha história nenhuma para contar e, sem história, o "era uma vez" calava, destituído de assombramento ou sedução.

O menino repassou, de olhos fechados, feitos antigos que testemunhara, coisas extraordinárias ao olhar do momento e que, agora, lhe pareciam todas insignificantes, indignas de contar. Acudiram-lhe, também, momentos de extrema angústia, quando parecia iminente o fim do mundo ou, pelo menos, o seu. Mas ao lembrar-se, hoje, de tais feitos achou graça no pavor incomensurável de então e se riu com os botões, para ater-se ao dito consagrado.

Lembrou-se, depois, das primeiras salas de aula e da tarefa muitas vezes repetida: contar, por escrito, o que se via num 'cromo' colado a um papelão e pendurado por barbante a um prego na moldura do quadro-negro. Então, descrevia com prazer a paisagem vasta a se desdobrar em vales e morros até o horizonte e sabia contar de bois e vacas e o mais das bucólicas gravuras trazidas pela professora, esta sim, a trazer também em si outros desafios inevitáveis para um menino em uma professora.

Era uma vez, outra vez, o desejo de um menino saber contar histórias - e além de saber, é claro, ter histórias para contar! - que comecem assim: "era uma vez"... e de que estas palavras, como o "abre-te sésamo", naveguem como sonho, capaz de ninfas e faunos, megeras e heróis.

Acabo de constatar outra, com o mesmo título! Não vou mudar o desta por causa disto