auto-retrato [1987] Crônica do dia

Esboço

28/04/06

O ponto de vista emoldura, por uma brecha do mato, recorte estreito da encosta oposta a destacar parte de uma casa. A primeira luz a destaca e a sua cor de terra, pois é débil o sol na manhã fria. As árvores, imóveis, que lhe pintam o fundo se acinzentam na distância. O quadro que a moldura cria evoca outro, adormecido no sonho humano por muitos séculos pois, embora construção recente em condomínio de requinte e caro, o trecho exíguo que se vê, com três janelas pequenas, imita casa simples e lembra a imensidão por companheira de um viver cada dia mais hipotético apenas.

A pequenina janela do meio aparece negra, como se estivesse aberta. As outras duas têm cortinas, o que a luz matinal explica. Nuvens chegam baixas e céleres do leste. A luminosidade oscila e define ou esbate a paisagem, que não é mais que um instantâneo, flagrante da beleza humana e da beleza vida, através de teleobjetiva abstrata, um quadro virtual. Três passos à direita e tudo desaparece. Vasta abertura no mato próximo desvenda em gesto largo muitos prédios de arquitetura duvidosa e cores fortes no tal condomínio e rua asfaltada em descida, onde ainda estão acesas a luz alaranjada do poste e outras nos jardins das casas.

desenho de Anucha [detalhe]
desenho de Anucha [detalhe]

É difícil ir além da superfície, do aspecto. Aparências são efêmeras, enganam, pois no tempo de um piscar, mudam, assim como o olhar, que também muda. O eterno cambiar das aparências não se alardeia como o de entretenimentos, por meio de publicações e propagandas caríssimas.

Um primeiro passo talvez: ver. Ver sem preconceito, sem julgamento, sem idéia, sem conclusão, sem opinião, sem nada - nu, para enxergar.

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