Há um precioso momento de lucidez em cada despertar. Tênue, fugaz, frágil como bolha de sabão. Saímos da órbita dos sonhos em fulgurante lucidez, uma dolorosa lucidez. Sim, é tanta a clareza, que dói.
Desnecessária qualquer explicação. Se se tomam decisões - quem quer que as tome, quem desperta ou os próprios fatos - neste momento de nascimento, serão espontâneas, fáceis e livres de dúvida e conflitos.
Tudo, no entanto, dura um átimo, o tempo exíguo da bolha de sabão. Logo se desfaz no ar. Talvez deixe um vestígio, um traço que, depois, aos poucos, esmaece no sonhador. Logo, a Razão assume o comando e, esta, se deixou moldar e adaptar ao longo dos anos na forja dos preconceitos, dos padrões, fundiu-se no cadinho de rótulos e o sonhador, que foi virgem por um instante, se vê outra vez a navegar nas rotas conhecidas, divisa os nortes traçados e volta a ser católico, budista ou agnóstico; médico, pároco, publicitário, arquiteto; pai, motorista, contribuinte e, de repente, a nave se estampa de mil ícones e, assim, segue a nave de mil rótulos que a tornam cordeiro. Foi-se o momento precioso.
A cada despertar cada um de nós perde, no tempo de um clique, a lucidez que busca, muitas vezes sem o saber.
Rio (parte da zona sul)
Um primeiro raio de sol abençoa esta manhã fria e úmida, de 14 graus, depois de muitas chuvas, que lavaram o ar e as teias das aranhas, agora, ainda pesadas de gotículas, e pinta com luz delicada e branca, efêmera aquarela muito suave, a prometer lucidez independente de sono, paz sem precisar sonhar.
Aparecem no céu uns primeiros azuis, cambiantes, pálidos também. A brisa gelada balança de leve as pontas dos galhos de quando em quando. Um primeiro pio se faz ouvir.
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