Crônica do dia |
O mercador do século XXI não é um homem, como o célebre Antônio, de Veneza, fruto do gênio de Shakespeare, não. Tampouco se trata de uma mulher ou qualquer tipo de indivíduo. Como convém a este tempo, o mercador do século XXI não é sequer uma organização, firma ou empresa transnacional, marcantes no século findo. O mercador do século XXI negocia mercadoria abstrata, impalpável: o sentimento. Sim, sentimentos, a quinta-essência do que nos faz humanos e indefiníveis. Por toda parte se diz: o mercado está nervoso, o mercado isso, o mercado aquilo. Ora, por fim, acredito no misterioso senhor Mercado. Ele existe, sim e sua mercadoria mais preciosa é o sentimento humano e lágrimas são moeda corrente neste vale de hipocrisia. Hoje, não há espaço para sentimento espontâneo, simples, ingênuo como o infantil. Tudo é precedido por ações do Mercado, que se incumbe de pré-estabelecer do que se deve gostar, o quanto se emocionar e até se o acompanhamento deve ser pipoca ou quê. Dita como torcer no futebol e como amar os dinossauros. Trate-se do que for, viramos marionetes manipuladas pela crítica especializada, manipulada pela mídia, manipulada por anunciantes, manipulados por outros e assim sucessivamente até àqueles que detém o poder, quer dizer, à grana grossa. É assim há milênios: todo poder emana da grana e só a grana é, de fato, poder. (Rasgue-se o resto da Lei.) Não nos divertimos mais, a diversão nos é imposta goela abaixo. Seja filme, peça, exposição - o preço se decuplica, o valor se centuplica e brotam especialistas em intermediação, como cogumelos, por redes subterrâneas. O esporte, o passeio a pé, a volta de bicicleta - têm marca registrada, carimbada, códigos de barra e indecifráveis, além de corneteiro-mor e balizas de frufru para maior glória do Mercador do século XXI. Cadê o carrinho de bode do Jardim de Alá? |
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