de esporadicidade imprevisível
Escapei de ficar famoso
27/06/18
Anestesiado pela mesmice do cotidiano, de onde poderiam advir eventuais temas para cronicar, mas se reprisam com monótona displicência o já visto, já dito, já noticiado, procurei nas gavetas do computador velhas anotações na esperança de encontrar aí semente para alimentar este singular canal de relacionamento, distante das redes sociais, dos correios e telégrafos, do telex e fac-símile e muito mais de Fidípedes. Na busca achei uma nota curta, com um título: Escapei de ficar famoso. Ei-la, na íntegra: Por toda vida, vez em quando, olhei à roda e me repeti ser um cara de sorte e que, fosse lá o que fosse que se conjuminasse para me levar assim vida afora, como se fora uma criança ou inválido, pela mão e abrir-me portas e sorrisos e acender de antemão refletores e fazer ruflar tambores, tudo, me fazia exclamar, vez ou outra, caramba, no balanço final, tenho sorte. Sim, não reclamo de minha sorte apesar das perdas que tive, mas intriga-me, na verdade, o título dado ao que pode ser um começo abandonado. Acontece ocasionalmente entusiasmar-se com um vislumbre, principiar a obra intuída e, por um ou outro motivo, abandonar inconcluso o que há pouco parecera tão promissor. Escapar é safar-se, livrar-se de situação perigosa, dolorosa, desagradável etc., nas palavras do Houaiss. Provavelmente aquele texto seria uma introdução a considerações sobre delícias e tormentas da fama. Cogito agora com meus bigodes a hipotética continuação do suposto trecho inacabado. Daria como mais um exemplo da sorte a me acompanhar vida afora o fato de não ter-me afamado por nenhum motivo, não ter destaque nos meios de comunicação, jamais correr o risco de me fazerem estátua colocada em praça pública para servir de poleiro aos pombos e mictório aos cães. Não sei, era uma nota curta do século passado. |
Sat, 30 Jun 2018 08:56:53 -0300 Adorei a analogia (ou diferenciação?) com Fidípides! Oi, Ana. |
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