A oscilar de uma pata à outra, num andar desengonçado, a pomba foi do cocuruto ao limiar da testa na careca da estátua. No caminho, deitou com a naturalidade peculiar a eqüídeos e bovídeos, o conteúdo de sua cloaca sobre o metal quente, desde cedo sob o sol estival. Aquela fora a primeira descarga de pomba na cabeça da estátua recém inaugurada. Algum tempo depois o acúmulo de cocô de pombo - a careca do homenageado parecia ser o aeroporto preferencial dos pombos daquela praça - já se transformara em uma espécie de peruca a escorrer pelas costeletas e em insólitos pega-rapazes grudados à testa. Diante do estatuado, Orozimbo cofiou o queixo liso e ponderou: tanta gente em busca de fama, tanto bacana sonhando-se estátua depois de morto e, olha só o que acontece: ninguém dá bola para a estátua, ninguém a olha quando passa, ninguém sabe quem é o estatuado e as pombas o transformam, literalmente, num miserável cagado. Enquanto filosofava, perplexo com a quantidade de estrume desperdiçada sobre aquele bronze, Orozimbo bebeu no gargalo um gole de sua Coca-cola, ainda gelada apesar do calorão. Ouvira, há muitíssimo tempo, histórias tétricas sobre as estátuas e os mortos nelas imortalizados. Teorizaram, os supersticiosos, prender-se a alma da pessoa ao monumento e, assim, privar o morto de eventuais delícias do além. Vinculava-se a alma à escultura pela pesada âncora de bronze! Nisso, passou um bando de crianças a correr e gritar, como sói ser a criançada e Orozimbo sorriu-se por dentro a compartilhar a alegria alheia e deixou a estátua do careca aos pombos - talvez fosse até um general - e se virou para o lado da turma da escola em sua algazarra e em seus uniformes quando sentiu o tiro certeiro na boca de sua garrafa - ainda existe Coca-cola na garrafa? No alto, no azul impalpável, o urubu se afastava em seu vôo planado. |
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