Crônica do dia

 

Faxina

02/02/09

Sábado, ventou forte desde cedo e o céu se abriu e fechou muitas vezes, ao sabor do sudoeste. Ao anoitecer, com o sol já a roçar os perfis de montanhas e avenidas distantes, o ar puríssimo salientava os efeitos da ventania ao lhe varrer toda sujeira em suspensão. Zéfiro derrubava muralhas engendradas pela aglomeração e o excesso de tecnologia, arrancava os antolhos costumeiros para tudo se mostrar claro, ao longe, com extraordinária nitidez. Uma visão inédita daquela paisagem.

Montanhas atrás de montanhas se sucediam, impecáveis, em perfis jamais vistos dali. Cada árvore se desenhava cheia de minúcias, nas montanhas próximas e se podia, ainda, ver ou intuir detalhes de prédios a vinte quilômetros, ou mais!

Se o homem descrito a puxar a fêmea pelos cabelos, depois de a abater com um golpe de tacape, tivesse olhos acurados como nós - ou seriam os seus mais capazes, antes dos pequenos sinais enfileirados para o correr do olhar que nos faz letrados? - com a visão igual ou melhor que a nossa, em sábados como este, teriam se extasiado ao fruir delícias visuais que só a escassez de gente propicia.

Sobre os prédios distantes a borda irregular da sombra subia e, célere, percorria vales e encostas enquanto o rolar da Terra nos virava, mais e mais, para o escuro vazio.

Posto o sol, encheu-se de cores o céu: azuis, rosas, brancos e cinzentos e, um pouco depois, se tingiu a abóbada de um alaranjado luminoso, uma cor peculiar a refletir-se em tudo e todos enquanto o dia abraçava a noite. A última luminosidade esmaecia.

Foi-se o mês com aquele dia e o domingo trouxe fevereiro. Sem vento, só uma leve brisa intermitente. No anoitecer, a atmosfera baça escondia o esplendor da véspera.

Do fluir da vida, sobra este registro maljeitoso, memória inútil do que não existe mais - para quê?

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