Branca, puríssima, pois chuvas recentes impediram a mácula de qualquer pó, pende imensa a flor da planta vagabunda, que aprendi ser uma datura. Apesar da imagem, sua virgindade é pouco provável: em geral, abelhas aguardam, ávidas, a primeira brecha na corola de pétalas soldadas em tubo para começar uma orgia de polens e méis envoltos num perfume forte e delicioso.
Isto, em geral, acontece ao anoitecer, quando estas flores recendem mais forte. Enquanto conto, me encanta a enorme flor pendente em frente à janela, túrgida, úmida, como se pudéssemos apalpar com o olhar sua textura macia e voluptuosa. Chega um pequeno inseto preto para a visitação. Ela está esplendorosa e, a medida que o mormaço muda a luz, uma leve brisa anima a cena cortada por borboletas, ora de uma cor, ora de outra.
O apresentador fala de uma reportagem sobre uma peça de teatro, em Nova York, e sublinha uma cena, onde um soldado estupra e depois arranca os globos oculares da vítima e os come. Diz se tratar dos "cinco minutos mais violentos do teatro em todos os tempos" e convida os dois comentaristas a falarem sobre o tema: a violência como atração (a tal peça tem tido sempre lotação esgotada) no teatro, no cinema, na televisão etc.
Os dois dizem não gostar da violência que faz tanto sucesso como entretenimento. Falam de bilheterias, custos de montagem, dizem mudar de canal... Falam de preferências como espectadores, Eu, apenas ouvinte, me espanto.
[imagem da internet]
A fúria de atores em cena é banal. O horror não está no palco, na representação mas, sim, na realidade retratada. Na guerra cheia de ódio e cadáveres, nos campos de prisioneiros, no mandarem adolescentes matar e morrer em nome de uma idéia. Horripilante é tamanha violência na vida real.
Uma grande nuvem apaga a luz do sol. É a vez de uma mamangaba conferir a flor.
|