Diante de uma imagem da Terra, imensa, minuciosa, envolta em delicada auréola azulada, tênue a contorná-la contra o negro absoluto da imensidão e sempre vestida de nuvens a se estenderem como véus a rabiscar quimeras em desafio à imaginação, contra o fundo azul dos mares, quando uma dessas imagens se apresenta diante de nosso olhar, dizia, perdemos o fôlego por um momento, nos falta o ar e o coração vacila um segundo perante a beleza e o mistério desta esfera - minúscula?, imensa? - bonita, com certeza e solta num vazio sem dimensão. É formidável e bela, quando reduzida, na imagem, a dimensões palpáveis, passíveis de se pegar, aconchegar ou colocar num canto sobre o tampo da mesa para um deleite egoísta. Todavia, ali, em sua pele suave e sob o translúcido milímetro a envolvê-la no horizonte, vivem, ainda que ignoremos ao certo o que viver signifique, o jacaré e o jatobá, a mariposa e a prostituta, o vírus da dengue e a moça dengosa, o camarão e o camaleão e cada uma das milhões de feições da vida, inclusive a do homo sapiens. Ultrapassado aquele milímetro, é território de etês, dos marcianos de minha juventude, a obrigar donzelas a trancarem bem suas janelas, com medo de uma súbita invasão. (Seriam íncubos os moços verdes de Marte?) Sim, a imagem generosa do planeta estimula à divagação. (Imagino alguém diante desta palavra a supor-me errar ao escrever 'divulgação'). Anoitece na Califórnia, na imagem. Logo, todo o Pacífico mergulhará na sombra, no lado oposto ao sol, no espaço que se estende até... até onde você puder imaginar. E, como o giro e não pára, em pouco se exporá, pelo outro lado, a costa oeste dos Estados Unidos e depois o oceano imenso à luz sagrada, mãe de toda vida a pulsar, forte ou frágil, sob esse milímetro azul e diáfano da imagem, a atmosfera, âmnio generoso de tanto deslumbramento. |
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