Delicio-me com a narrativa cheia de minúcias a falar de mundos, para mim, desconhecidos até na imaginação. Escuto: ... é uma loja italiana, de perfumes, caríssimos, onde eu jamais poderia comprar, claro, mas gosto de ir lá e experimentar os cheiros. Pego cada um - claro, não poria aquele monte de cheiros em mim, na minha pele, então, espirro cada um em um papelzinho e fico cheirando o papel... Eu adoro!
E a história segue cheia de detalhes que não saberia reproduzir, inclusive por não fazer a menor idéia de como uma loja de perfumes possa ser. Depois, ela conta o que faz com todos os papeizinhos apropriados a saborear aromas: os mete nos bolsos e, como conseqüência, suas calças ficam muito cheirosas.
Esse universo de cheiros, perfumes e fedores, tão vital ao meu cão, passa quase em branco por mim. Criança ainda, marcou-me uma loja no Rio, na Rua do Ouvidor, em cuja fachada um pulverizador aspergia água perfumada sobre os transeuntes. Muito depois, minha avó perdeu o olfato, mas dizia não se importar, pois no mundo haveria muito mais cheiros desagradáveis que perfumes inesquecíveis. Agora pasmo, a cada dia, com o cão precisar farejar para acreditar no que vê - um São Tomé pelo avesso!
desenho de 1954
Passei por um sem-teto, parado diante de uma mureta, muito entretido com algo miúdo que pegava de sua mão esquerda e arrumava sobre a mureta, a lhe bater pelo peito. De longe, imaginei serem moedas, imaginei que as contasse, a ver a pinga em potencial. Ao passar por ele - de tão absorto nem me viu! - olhei com o rabo do olho e, surpreso, vi se tratarem de sementes e não, moedas...
De um jeito ou de outro, ocupamos nossa mente. Com sementes ou perfumes ou videogames ou telenovelas ou qualquer distração. Mas... e o cheiro de terra que sobe com a chuva, quem o pode ignorar?
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