autor, circa 1996 Crônica do dia

Gavião urbano

10/01/08

No cenário monótono do centro de Carapicuíba, arredor de São Paulo, virou surpresa uma sombra grande que correu rápida pelo chão do largo, com o sol quase a pino.

Contra o clarão do céu, um grande gavião circulava baixo. Negro dos pés à cabeça, bico afiado e uma pena da asa esquerda fora do alinhamento, espetada para cima. Deu duas voltas, fechadas, sobre o local e rumou para alto de um dos edifícios vizinhos.

Pousou no parapeito metálico do cocuruto do prédio, ajeitou as asas e tentou recolocar a pena danificada no lugar, passando várias vezes o bico na asa esquerda.

Mais baixo se via o provável motivo do interesse da ave de rapina: sete pombos descansavam empoleirados nos fios de alta tensão que cortam o largo pela metade. Eram, na prática, o centro dos círculos riscados pelo gavião.

Esperei o ataque, parado no meio do largo, olhando para o alto e ninguém cuidava de minha curiosidade. Lembrei-me que, moleques, nos umbrais da adolescência, divertíamo-nos ao parar no meio da Avenida Rio Branco, no Rio, e fingir ver algo no céu. Comentávamos em sussurros o que não víamos e nos divertia a quantidade crescente de transeuntes que paravam para tentar ver o que apontávamos...

Eram outros tempos e marcianos e os primeiros satélites artificiais freqüentavam as primeiras páginas. Ali, todos pareciam ter antolhos. Passou uma senhora muito gorda com uma criança tomando um desses sorvetes que saem de uma máquina como tubo e, ao procurar de novo a ave, achei vazio seu poleiro.

Pouco depois ela surgiu, de trás da massa de edifícios e, de novo, circulou sobre o largo. Outros pombos também voavam por ali, o ataque parecia iminente. A cena se repetiu, mas o gavião urbano voltou a seu poleiro e, mais uma vez, ajeitou a pena torta. Quando tudo se repetiu pela terceira vez, sem que os pombos arredassem pé dos fios, desisti.

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