O goleiro
03/03/15
Usavam-se canos de chumbo nos caminhos da água de beber. Bebíamos a água, filtrada, sem cogitar de envenenamentos ou do peso específico daquele metal. Existiam canos de ferro, fadados a se obstruírem pelo espessamento da crosta interna de ferrugem e a alternativa em chumbo. Canos pesados, mas flexíveis, dobráveis e incapazes de enferrujar. O uso corriqueiro de encanamentos de chumbo não era visto como ameaça, assim como, ao quebrar-se um termômetro, se recolhia o mercúrio nele contido para virar brinquedo de criança, com o fascínio provocado por sua altíssima tensão superficial, capaz de grudar duas bolinha em uma bola maior mal se tocassem. Tudo isso era comum em meados do século passado e voltou-me à lembrança, acredite, por causa dos jogos de botões, coisa de criança e de criança sem recursos para comprar jogos completos e industrializados nas papelarias. Portanto, com times de jogadores (os botões, claro!) individualizados, cheios de personalidade e únicos. Havia botões feitos de vidros de relógio, de botões provenientes de caixas de costura maternas e, os mais especiais, moldados de um pedaço de casca de coco maduro, comuns nas cozinhas de então para doces e outras iguarias - eram o 'coquinhos', quase sempre tido como os craques do time. Fiz uns dois ou três. Era grande o trabalho de lixa para os finalizar. Depois, ainda eram encerados e polidos. Mas, divago como de hábito, os botões vieram à baila tão só por causa dos goleiros. Os goleiros eram uma caixa de fósforos recheadas com algo pesado e aí entrava o chumbo. Colocávamos retalhos de cano numa lata e esta sobre a chama do fogão; víamos o denso metal virar um líquido passível de ser entornado na gaveta de uma caixa de fósforos, onde esfriava e se solidificava como recheio de um ótimo goleiro. Claro, não tínhamos tabletes nem celulares... |
Tue, 3 Mar 2015 15:35:42 -0300 nossa, adorei, muito legal. não fazia ideia dessa história do goleiro de chumbo nem do botão coquinho. Pois é, gostava desses afazeres paralelos e fundir chumbo era fascinante. Procurei os erros e achei aqui (pelo eespessamentoda crosta) mas não no arquivo original! Date: Tue, 3 Mar 2015 10:57:34 -0800 lembro ... bem divertido Sim, cerol. Hoje, proibidíssimo. Tue, 3 Mar 2015 21:46:50 -0300 as coisas também não tinham data de validade e o que usava-se era o nariz e os olhos. sem assinatura Bem observado. Éramos mais parecidos com gato e cachorro. Wed, 4 Mar 2015 10:55:26 -0300 Muito legal, Clôde! Eram outros tempos, com outras verdades! Wed, 4 Mar 2015 15:49:42 -0300 Viajei... Tinha também os vidros de relógio. Ótimos atacante, que chutavam por cobertura. A respeito do chumbo, mercúrio e outros metais pesados, sabia-se então que a contribuição deles para a poluição do meio ambiente era insignificante. As pilhas poluiam mais. Foram os ambientalistas que criaram a paranoia. Sim, falei pouco do jogo e dos 'jogadores' por me perder em outras divagações, mas mencionei en passant os botões feitos com vidros de relógio, confirmo, ótimos atacantes. Brinquei muito com chumbo e mercúrio quando criança, agora dá-lhe paranóia. |
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