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Grandes frios08/07/02Cristalina e límpida manhã de frio! Frio a que pouco se liga, pela luz encantadora desde os primeiros minutos do dia, a roçar apenas as folhas mais altas de bambus e árvores. Azul impecável, claro, imaculado. Brisa que só se faz perceber pelo frio, muito frio. Apesar de rasante, a luz é branca, pouco amarelada. Cumpriram-se as predições e o frio chegou com pontualidade. Veio do oeste com ventos fortes, chuviscos e muita umidade. Durante a madrugada deu-se o milagre e a terra amanheceu despida de nuvens, numa nudez completa e pornográfica, para satélite algum botar defeito. O conforto vicia como tudo. A única norueguesa que conheci reclamava muitíssimo por jamais ter sentido tanto frio em seu país como aqui! Lá, dizia, todos os prédios tem calefação e as meias são eficazes, aquecem os pés. Os países ricos bebem arábias de petróleo a cada inverno, para saciar a voracidade da forma mais vagabunda de energia, como dizia meu tio, professor de física, o calor. E o frio é essa energia vagabunda quando está faminta. São, porém, essas ondas de frio que varrem, pelo menos em parte, sujeiras e fumaças do ar e permitem um amanhecer puro e azul-celeste como o de hoje, capaz de aquecer o coração ou a alma ou seja lá o que for essa parte escondida de nós. Parte que sentimos e nos escapa sempre, atrás da qual corremos pela vida afora, mesmo sem compreender, desde crianças até a velhice, sempre em busca daquela manhã ou de outra... Não, a procura não se sabe muito bem do quê. Surgiram nuvens a sudoeste. O vento parecia soprar do norte na superfície. As nuvens vieram rapidamente e, uma hora depois, o céu era branco e cinza. Mais quinze minutos e tudo se nublou, como na véspera. Também nós estamos sujeitos a ondas súbitas de lucidez, raras, é verdade, mas inesquecíveis e que, como os grandes frios, podem marcar uma vida inteira. |
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