cronista em desenho de Vicente Kubrusly (29-05-78) 

Hora do rancho

29/04/10

O nublado claro, a brisa suave, a teia vazia - onde estaria a aranha? -, um latido distante, um rugido da turbina de um avião a se aproximar, uma abelha visitadora de flor em flor e a quinta-feira se evapora como um gotejar de filtro. Três pios longos de algum bem-te-vi junto com o resmungar de um caminhão na ladeira. Uma pequena folha amarela, suspensa por um fio de teia, gira num sentido e no outro com o sopro sutil do ar.

Tudo parece calmo demais, como se todos os recursos estivessem eqüitativamente distribuídos e todas as armas, nos museus. Agora, um sabiá insiste num pio longo de lamentação. Perdoem-me a inferência: é possível empatia entre uma ave e um primata? Calou-se o pássaro. Volta a quietude inquietadora. Alguma mata ainda deixa mínimo e longínquo o ruído feio de motores à explosão e pneus a rolar no asfalto.

No vizinho, uma ferramenta começa a bater no chão ou em galhos e a faina ressuscita este dia perdido no final de abril. Criei leitores e um compromisso frouxo com eles. Incomoda-me meu absentismo. O barulho de grandes tratores a moldar loteamentos recomeça, feroz. É um barulho repleto de ameaças, como se um exército inimigo nos roesse os calcanhares. A brisa sopra com mais ímpeto e a humana azáfama retoma o diuturno tique-taque. Era apenas tempo de comer, o horário de almoço acaba de terminar.

Os homens continuarão a discutir, com munições de palavras, ofensas, ódios e bombas. No cassino global, blefes e trapaças movimentarão fortunas incompreensíveis para a multidão. O operário martelará o dedo, numa distração e mais um par de enchimentos se esconderá sob os bicos de amamentar.

As nuvens se esgarçam e um mormaço forte imita o sol. As sombras, mais tênues, oscilam em sua definição. Vou fingir ter escrito algo para me apaziguar com os leitores que inventei.

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