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ibope06/08/02Cremilda não sabe em quem vai votar, está se lixando para as eleições. No fundo, nunca achou que política tivesse qualquer relação com as coisas que a interessavam de fato: seus filhos, seu marido, sua casa, não nessa ordem, necessariamente. Orozimbo sente-se violentado pela obrigação do voto. Há décadas sua perplexidade só aumenta diante da imposição. Para ele, o primeiro passo da democracia, o engatinhar mesmo da manifestação de vontades individuais que, somadas, se corporificam como querer do povo é poder escolher votar, ou não. Sem isso, toda discussão quanto a um ou outro candidato lhe parece sem sentido. Cremilda ouve rádio às margens do tanque e do fogão, navega corredores e cômodos na companhia de gente que conhece pela voz, que sente amiga e companheira na lida sem fim do faz e refaz. Ouve um candidato, outro e mais outro. Todas as opiniões. Muda a sua conforme humor, dia e veneta. É de signo duplo, se diz. Na imaginação já votou em todos, até nos esquecidos, cujos nomes ninguém lembra - por isso mesmo, ela diz. Orozimbo muda o canal quando o assunto é política. Não quer ouvir falar. Só depois da opção de votar, diz, como um ponto final irrevogável. Cláusula pétrea de sua constituição. Impossível adivinhar se sabe o nome de um candidato. Cremilda atende à campainha e manda o pesquisador entrar. Está de ótimo humor, seu candidato não será o carrancudo e, com toda paciência responde às mil e uma perguntas do questionário. Orozimbo assiste à entrevista da mulher. Na sua vez, toma a iniciativa: o senhor vai vender essa pesquisa, pergunta. O homem explica ser apenas empregado temporário, mas que o "instituto", certamente venderá os resultados. Então, diga aos seus patrões que só respondo mediante pagamento, adiantado e em moeda corrente. Informação, hoje, é mercadoria mais do que valiosa, finaliza. |
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