Crônica do dia

 

Ícones

04/04/05

Longa espera na sauna úmida. Guido e o produtor de seu futuro filme são finalmente chamados para a audiência. Abre-se grande janela basculante, de uma só folha, com vidro fosco. Levanta-se pouco, com um ruído marcante - parece um gemido. Dois clérigos em suas batinas e paramentos, tudo em meio a muito vapor, erguem um pano branco a guisa de cortina e o contraluz delineia o perfil de um velho, sentado. É o cardeal a quem vieram pedir permissão para incluir certa cena no filme. Guido, o diretor e alter ego de Fellini, gagueja. Pompa e autoridade o intimidam. Balbucia: "Excelência..." Antes que possa concluir, se ouve a voz arranhada do cardeal repetir três vezes: "extra ecclesia nexum salvatio", ou algo parecido, em latim e, depois, em italiano: "fora da igreja não há salvação". O mesmo gemido fecha a janela e encerra a cena. Fellini!

Hoje, muitos eventos se tornaram grandes best-sellers do show business mundial. Finais de copa do mundo, aberturas de olimpíadas, entregas do Oscar, catástrofes - naturais ou provocadas pelo ser humano. Pode-se incluir nessa lista a morte de um papa.

A produção apresentada segue ritos e roteiros mais cuidadosos que muitos filmes de Hollywood. Os atores estão cuidadosamente paramentados, com cores vistosas e chapéus esdrúxulos. Não se usam plumas, é verdade, mas o conjunto todo, inclusive a tal de Guarda Suíça, evoca os desfiles de escolas-de-samba. A igreja católica há milênios tira proveito das artes de Joãzinhos Trinta. Quando adolescente, fiquei deslumbrado com o ritual da Aleluia, no Mosteiro de São Bento, no Rio.

Por que outras religiões não aproveitam todo efeito promocional de ter um chefe supremo, uma espécie de rei, sumo sacerdote, faraó, cacique ou grande inca - sei lá? Existe um rei dos rabinos, um papa muçulmano ou ortodoxo?

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