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Ideais08/04/02Chuvas de começo de outono a arremedar tempestades de verão. Depois, o céu se despiu aos poucos das nuvens e achou sua cor em um pálido azul, delicado, levemente esverdeado e já prenhe dos tons do anoitecer. A noite chegou sem estardalhaço com horizontes carregados e de infinitas tonalidades. A passagem, de tão gradual, sempre parecerá um rabicho de dia ou, ao contrário, noite veterana. Em tão sutil passagem nunca se percebe quando se ligam as estrelas - de repente, estão lá. Primeiro as mais escandalosas e depois, mais e mais. Ontem, a primeira estrela deve ter sido um planeta, Júpiter, conspícuo, no alto do firmamento, a desafiar Sírius, a seu lado, a mais brilhante de todas as estrelas de todos os céus. Em , gostamos de tudo mais, maior... as menores estrelas não tem nome nem número. Não as podemos ver. O ser humano se fascina com vencedores, ilustres, poderosos, mesmo que sejam tiranos, opressores, impiedosos, sanguinários. Estrelas e planetas nos parecem grandes conforme seus tamanhos e suas distâncias. Algumas estrelas, invisíveis para nós, podem ser as maiores e mais belas. Nunca saberemos. Erigimos ideais e eles nos aprisionam. O mais difícil para qualquer um é também o mais simples: ser-se o que se é. Sem julgamento, sem aceitação, sem vaidade. Iconoclasta dos modelos que criamos para nós. Por que devo ser assim ou assado? Por que competir a vida inteira com adversários por nós mesmos engendrados? Já ouço os murmúrios de doces vozes a me explicar ser esta a beleza e utilidade de se colocar o ideal sonhado no mais alto pedestal, pois lá estará o norte de uma vida, o porto de destino, ainda que apenas para se almejar sem a ele nunca se possa chegar. Ouço os murmúrios e me pergunto: Será? Valerá à pena uma vida de conflitos e contradições, a perseguir um ideal esboçado à revelia da realidade? Será? |
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