Em 1961, Eleazar de Carvalho regeu a nona sinfonia de Beethoven, com a Orquestra Sinfônica Brasileira, no Teatro Municipal do Rio. No turbilhão da adolescência, consegui que o porteiro dos fundos do teatro me deixasse entrar para assistir aos ensaios. Ia todo santo dia e, da platéia, me deleitava ao lado de uns poucos. De volta a meu quarto, pegava um álbum de meu pai, com doze de discos 78 rotações da mesma sinfonia sob a batuta de Toscanini. Deitava-me de bruços para poder mudar os discos e a ouvia, numa vitrola portátil posta no chão, ao pé da cama, tarde afora.

Não sei quanto tempo vivi deste cardápio, uns dois meses talvez? Pela manhã, Eleazar a afinar orquestra; de tarde, céu azul e a música sublime repetida à exaustão. Um dia, meu pai parou na porta do quarto, olhou longamente e perguntou o que eu pretendia fazer da vida. Não o sei até hoje, mas já assisti a Nona até de pé.

Uma amiga escreve para contar de seu avô, também "devoto de Einstein e outros homens do pensamento e da ciência". Conta que todos os dias em que ia à casa do avô, durante anos, o encontrava ouvindo a nona de Beethoven. "Todos os dias, obsessivamente." Muito depois, ela conta, "ele comenta que não consegue entender nem se envolver com música". Ela lhe lembra sua interminável audição da Nona e ele explica: diz ter ouvido uma frase de Einstein onde ele contava acreditar na existência de Deus graças à Nona Sinfonia.

ídolos [imagens da internet]

Li algo parecido, mas lá a fé de Einstein se atribuía à Música, não à sinfonia. Ela conta que seu avô ficou tão impressionado, "(já que ele mesmo não acreditava em nada, apenas em Einstein) que decidiu desvendar a paixão de seu ídolo, descobrir o que ele tinha ouvido e compreendido ali (acho que queria descobrir Deus também)".

Nem o avô da amiga nem eu, naquela época a humanidade pusera a Ciência num pedestal.