— Não se levantem, por favor, não se assustem. Vim apenas para dizer que, sim, uma personagem pode influenciar seu criador. Suas características, a psique da personagem, por assim dizer, evolui também no íntimo de seu criador e com isto ele passa a "conviver" com ela e pode, sim, responder emocionalmente a atributos por ele mesmo traçados.

A presença súbita e imprevisível do autor, em pessoa, assustou as personagens ainda anônimas (*) mas, aos poucos, a façanha assumia sua real dimensão: no universo ficcional, tudo é permitido e o fato da obra dialogar com seu criador não é mais extraordinário que a presença de seres mitológicos ou interplanetários, por exemplo, a interagir com humanos. São todos personagens, inclusive o autor.

— Os surrealistas compreenderam muito bem a natureza da ficção e pregaram a expressão espontânea e automática do pensamento (ditada apenas pelo inconsciente) e, deliberadamente incoerente. Defendiam a prevalência absoluta do sonho, do inconsciente, do instinto e do desejo e pregavam a renovação de todos os valores, inclusive os morais, políticos, científicos e filosóficos, como diz o dicionário, observou o autor.

A dama pareceu recobrar seu elã diante daquela admirável presença, sorriu como só as mulheres sabem sorrir, e disse ao cavalheiro: eu tinha razão! De certo modo, uma personagem pode se tornar real, e até mais que real, na imaginação do autor permitindo, assim, uma efetiva interação com seu criador. Ela parecia exultar com a descoberta e concluiu: o maior perigo está na possibilidade de vir a se apaixonar por alguém de outro universo, como seres de galáxias distintas que se vissem vítimas de uma grande paixão.

O cavalheiro cofiou o bigode e ponderou: problema algum, também nós personagens não materializamos as paixões arrebatadoras que nos acometem.