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Indigestão10/07/02É espantoso que cada ser humano sonhe em seu âmago com um mundo construído de amor, e não falo das relações amorosas entre homem e mulher nem das homossexuais, e sim do sonho apenas vislumbrado ou intuído por alguns, mais nítido e palpável para outros, de uma sociedade em que nós, tecelões, tenhamos o amor por urdidura e a compaixão como trama, ou vice-versa, e poderiam valer aqui todos os sentidos, todas as figuras, bem como nenhuma delas, já que não se trata de brincar com palavras, principalmente esta tão batida e malbaratada, com tantos sentidos que tanto pode significar a relação do homem com Deus como o ato sexual. É espantoso, eu dizia, que cada um queira um mundo assim tecido e, apesar disso, se deixe levar pelas correntezas e vendavais dos caminhos e descaminhos e acabe por urdir com a ambição e desejo intenso de possuir e passe a tramar com a ganância, uma e outra cantadas e cultivadas em primorosas e impecáveis obras da inteligência, feitas para entreter, divertir, alimentar a imaginação e propiciar modelos inatingíveis de pompa, luxo, fausto e magnificência. Tratos e loas que se estendem a hinos e flâmulas e brasões para pôr pátria contra pátria, estado contra estado, classe contra classe, equipe contra equipe, time contra time, eu contra você! Tudo isso com a bênção dos religiosos, dos psicólogos e de toda a turba de sociólogos a treinadores, que estimulam a competição desde o berçário da maternidade. Por isso, não é espantoso que cada dia mais gente, que traz em si aquele sonho, ainda assim, se deixe cegar e saia atrás de uma suposta felicidade, modelada pelo cinema, pela tevê, pela ostentação e na ilusão das drogas, que saia em busca, dizia, da sombra de um sonho com fuzis e granadas nas mãos, com ódio nos olhos e nos lábios, com a mente confusa por tanta coisa mal digerida. |
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