Falta pouco para meio-dia e, depois da tempestade de ontem, rasga-se a espessa camada de nuvens para o azul do ar batido de sol aplacar a ansiedade atávica que a sombra e a umidade provocam.
Cachorros reagem, por memórias de sua espécie, a trovões e trovoadas e, por semelhança, aos estampidos e sibilos de fogos de artifício, cheios de pavor. Como se descendesse de incas, reajo de modo semelhante à ausência da luz solar. Um dia escuro, a obliteração da estrela por nuvens espessas, tudo isso me amofina e definha, mas basta o refulgir do sol na paisagem, como agora, para apaziguar em mim o que não sei definir.
Em menos de 48 horas, o sol brilhará a pino sobre a fronteira dos hemisférios, assinalando novas estações: primavera como término de um inverno, ao norte e outono no roldão de águas a inundarem verões, ao sul. A vegetação agigantou-se com tamanha abundância de água e de luz. Folhas túrgidas disputam cada possibilidade de luz. Flores diversas salpicam o verde de rosas, vermelhos, amarelos, violetas e brancos. Insetos e aracnídeos povoam cada rincão. Sob o sol rasante, teias ficam douradas.
À paineira gigantesca já restam poucas flores e folhas e o chão sob ela se atapeta do que despencou. Dois montes acumulam o tapete varrido, a se transformar em terra negra e cheirosa. Uma multidão de minhocas se reproduz sob eles, a salvo dos passarinhos. A Vida vive, alheia a especulações. Cresce e se multiplica ignorando divinas instruções. Os ventos brincam e fazem a folhagem bailar.
Perplexo, testemunho cada dia a ausência de algo a justificar, aqui, uma crônica. Então, calo, como calarei já.
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