Aquarela do autor

de esporadicidade imprevisível

Interatividade

10/05/17

Mergulhada em sua pequena tela, ela parecia alheia a tudo e a todos ao redor. Ainda assim manifestava com ênfases da expressão facial seus sentimentos. Sorria, em seguida ampliava o sorriso. Deixava cair os cantos da boca amuada para voltar a um semblante sombrio antes de um gesto de raiva concomitante com a emissão de surdo rangido como xingamento encapsulado. Absorta, definiria bem seu estado, como disse, em um mergulho profundo num mundo inacessível a todas as outras pessoas espalhadas pelas muitas mesas do restaurante ou aos garçons em seu ir e vir com malabarismos de bandejas. Parecia intensa sua interatividade para além daquela tela...

Nos tempos da enfoco, estava em foco a comunicação. Na época, Maureen Bisilliat observou com perspicácia "nunca se falou tanto em comunicação e nunca foi tão difícil de se comunicar". Hoje, a palavra em voga é interatividade. Por toda parte e a qualquer pretexto se clama por interatividade ou se lhe apregoa a possibilidade. Todavia, parece muito difícil existir uma verdadeira interação entre as pessoas.

As novas tecnologias possibilitam, através de inúmeros meios, A "interagir" com B ou com todo o alfabeto se o preferir. Os "amigos" são listados e contados como escravos de Jó a jogarem caxangá e, com total displicência, se aprova e com displicência maior se compartilha. Empilham-se assim montanhas de "conteúdos" para, no final, tudo acabar nos pratos da balança medidora das possibilidades de lucrar.

Um suculento pedaço de carne grelhada, acompanhado por aspargos e batatas fritas palito foi colocado sobre a sua mesa por um garçom e ali permaneceu esquecido e a esfriar. Aparentemente, a intensa "interatividade" com alguém ou alguma coisa distante era suficiente para saciar sua fome. Ainda lhe seria possível interagir com o próprio corpo?

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