A tarde já ameaça com o ocaso e eu, aqui, insisto, tecla por tecla, em compor algo que valha a pena publicar. Em verdade, hoje, mais cedo, falei de lembranças antigas - e este 'falei' vale por escrevi -, ou melhor, quis falar dos mistérios no comando de nossas recordações e acabei por desaguar na constatação, nada surpreendente, da importância da vaidade no leme de nossas lembranças... Ocorre ser a tal lembrança, no mínimo, vulgar, com referências a objetos e circunstâncias impróprios a conversações refinadas, sobretudo, na presença de damas ou senhoritas. Pronta a página, reli seu conteúdo e, de imediato, vetei sua publicação. Afinal, o verdadeiro mote era apenas o porquê tal coisa perdurou tanto tempo viva na memória enquanto a tantas outras se apagaram de todo de nossas recordações. A conclusão a que chegava era simples, sem elucubrações: finca fundo um sulco na lembrança o elogio, o afano à vaidade. Daí meu espanto com o não ter percebido antes. Conclui a crônica inédita com uma citação do começo do Livro do Eclesiastes, inevitável quando a fogueira de vaidades arde mais forte. Com espanto confirmava como lidamos com os afagos o com ofensas e afrontas. Quanta assombração dorme em nosso esquecimento! As nuvens toldam o dia antes ensolarado. Há promessas de muita chuva vindo por aí. Para quem quer a citação da bíblia a que aludi, ei-la, tal como iria na crônica que não foi: '"Ah, diria o Eclesiastes, vaidade de vaidades, tudo é vaidade!" Cutuca o botão da vaidade e serás lembrado até a morte. Será? Seria este o mistério maior da caixa-preta da memória?' Cuidado com esse duende psicológico: o afago ao ego deitaria raízes mais fundas em nossas sinapses? Flertamos com o herói que nunca fomos? O sol já roça as montanhas no horizonte, parcos montes, rasas montanhas... |
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